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Política

22 de fev de 2012 , 19h15

A China, a Embrapa e o passado

A China, a Embrapa e o passado

O desenvolvimento decorre da dotação inicial de fatores e de mudanças incrementais ao longo do tempo. São fundamentais as instituições, a demografia, a taxa de poupança e investimento, e a produtividade, que depende da educação, da ciência, da tecnologia e da inovação.

Acontecimentos pretéritos e seus efeitos costumam explicar o desenvolvimento. A bem sucedida trajetória da Inglaterra – que se tornou a potência dominante no século XIX – nasceu de avanços institucionais como os da Carta Magna (1215), da Lei de Patentes (1624) e da Revolução Gloriosa (1688). Esta pôs um fim ao absolutismo, assegurou direitos de propriedade e criou o Banco da Inglaterra. Constitui-se daí o ambiente favorável ao investimento e à inovação.

É provável que fosse outro o curso desses acontecimentos caso a batalha de Hastings (1066) tivesse sido vencida pelo rei Haroldo e não pelo nobre normando Guilherme, o Conquistador. Ele foi coroado rei da Inglaterra e impôs o idioma francês na corte e o latim nos documentos oficiais, regra que durou três séculos. Mesmo assim, tornou-se um herói inglês, reconhecido pela unificação do país, pelo fortalecimento de sua capacidade de defesa e por plantar sementes que gerariam frutos oito séculos depois. A atual rainha Elizabete II é descendente de Guilherme.

O efeito de acontecimentos passados na vida das nações me veio à mente com a leitura do recente livro de Henry Kissinger (“Sobre a China”), no qual ele descreve as negociações secretas que culminaram na visita de Richard Nixon (1913-1994) a Pequim e no restabelecimento das relações dos Estados Unidos com a China (1971). A aproximação sino-americana, afirma Kissinger, começou como um aspecto tático da Guerra Fria, mas “evoluiu a um ponto em que se tornou central para o desenvolvimento de uma nova ordem mundial”.

A ascensão da China deriva de muitos outros fatores, em especial as mudanças empreendidas por Deng Xiaoping (1904-1997), o arquiteto das reformas pró-mercado, que contribuíram para a mais rápida e espetacular transformação econômica e social da história. O êxito da China, hoje a segunda maior economia do planeta, está intimamente associado à abertura americana para os seus produtos.

Trinta anos após, o crescimento chinês viria a ter enorme repercussão no Brasil. Em uma década (2002-2011), a China se tornou o nosso maior parceiro comercial e a maior fonte do superávit no comércio exterior de nossas commodities agrícolas e minerais, de 85 bilhões de dólares em 2011. Isso reduziu a vulnerabilidade do país a crises externas e contribuiu para o crescimento do período.

Na mesma época da histórica visita de Nixon, desenvolviam-se no Brasil os estudos que fundamentariam a criação da Embrapa (1973). Suas pesquisas e as de outros centros como a Universidade Federal de Viçosa e o Instituto Agronômico de Campinas criaram a melhor e mais avançada tecnologia tropical do mundo. Empresas privadas contribuíram para a importação e adaptação de modernas tecnologias. Esse trabalho, fonte de elevados ganhos de produtividade, possibilitou o atendimento da demanda chinesa. O Cerrado, antes quase imprestável por conta de sua baixa fertilidade natural, responde hoje por quase 70% da produção de grãos do país. O Brasil se tornou o maior produtor mundial de café, açúcar e suco de laranja, e o segundo de soja e etanol. Somos internacionalmente fortes em carnes, algodão, milho, tabaco, e papel e celulose.

O Brasil alcançou o status de potência agrícola e mineral em consequência também, tal como na China, de outros fatores, particularmente as mudanças institucionais iniciadas em 1986, a abertura da economia, a vitória contra a inflação (Plano Real, 1994) e as reformas estruturais do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Sem esquecer esse passado, é preciso avançar. Necessitamos de novas reformas para ampliar as conquistas políticas, econômicas e sociais. Lula se julga o autor exclusivo do desempenho recente da economia, mas se a história se impuser, como se espera, ficará provado que o êxito teve a ver com esforços anteriores. E, claro, com a coragem do ex-presidente em renunciar às equivocadas ideias econômicas do PT.

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