COLUNAS

Economia

23 de set de 2015 , 20h50

Capitalismo, uma obra de milênios

Capitalismo, uma obra de milênios

O sistema capitalista ou economia de mercado gerou prosperidade em nível e velocidade sem precedentes nos últimos 150 anos, mas levou tempo para chegar a esse estágio. Tal realização tem sido um processo de construção continuada ao longo dos 10 000 anos conhecidos da História. Curiosamente, o termo  capitalismo apareceu somente no século XIX em textos de dois de seus críticos, Émile Durkheim e Karl Marx.

Era o comércio, isto é, o mercado,  que na Antiguidade movia a economia da Babilônia, do Egito e dos fenícios. Quando Jesus Cristo expulsou os vendilhões do templo, eles praticavam um capitalismo primário. As transformações ocorreram lentamente. Um operário inglês do século XVIII tinha expectativa de vida semelhante à de um soldado do Império Romano e renda per capita parecida.

Os avanços institucionais que nos trariam até aqui tiveram início no século XIII com a Magna Carta inglesa (1215), o mais importante acontecimento político da era feudal. Cansados dos impostos para financiar guerras, os barões impuseram ao rei João Sem Terra regras que limitaram seus poderes. A criação de tributos exigiria o consentimento da assembleia dos nobres, o futuro Parlamento.

Do Tratado de Westfália (1648), que encerrou a Guerra dos Trinta Anos, nasceram a moderna diplomacia e o Estado-nação, o qual viria a moldar, no futuro, instituições favoráveis à expansão capitalista. A descentralização do ambiente político viria a criar a democracia representativa. O império das leis, e não dos homens, se tornaria a norma política e jurídica, de que depende o bom funcionamento do capitalismo.

A Revolução Gloriosa inglesa (1688) transferiu o poder supremo para o Parlamento. O rei perdeu também o poder de demitir juízes. O Judiciário tornou-se independente e capaz de garantir direitos de propriedade e respeito aos contratos, dois pilares fundamentais da economia de mercado. A Revolução foi influenciada pelas ideias do Iluminismo e pela ascensão de uma nova classe, que mais tarde Marx denominaria “burguesia” e que  hoje chamaríamos de “empresários” .

Criou-se o Banco da Inglaterra (1694), que havia sido precedido pela disseminação do uso da letra de câmbio e do método das partidas dobradas. Este possibilitaria o levantamento de balanços contábeis e o nascimento da pessoa jurídica, o berço da empresa dos nossos dias. Surgiu o crédito a empresas e estabeleceu-se a sociedade de responsabilidade limitada. Quem nela investisse arriscava somente o valor aplicado, e não o patrimônio. Nascia o mercado de ações.

A Lei de Patentes inglesa (1624) estimulou a febre de invenções do século XVIII, que desaguaria na máquina a vapor e na Revolução Industrial. Antes, a máquina de tipos móveis, inventada por Gutenberg, produzira o primeiro livro impresso, a Bíblia (1455). A leitura em massa e a imprensa reforçariam a democracia e contribuiriam para o crescimento econômico. O capitalismo se acelerou. Em livro memorável, “A Riqueza das Nações” (1776), Adam Smith enfatizou o mercado, a competição e a divisão do trabalho como fontes da produtividade e da expansão econômica. A obra lançou os alicerces da moderna teoria econômica.

No século XIX, surgiram, inicialmente na Alemanha, universidades dedicadas à pesquisa, inclusive de novos materiais e processos industriais. Lá, descobriu-se que as plantas se nutrem de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), que poderiam ser sintetizados para produzir fertilizantes. Era a Revolução Agrícola.

No pós-guerra, percebeu-se o papel das instituições no desenvolvimento capitalista. Elas são, no dizer de Douglass North, as regras do jogo, formais e informais, que constituem o ambiente para investir, assumir riscos e gerar prosperidade. Nelas se incluem a imprensa, os mercados e as crenças da sociedade.

Ainda no século XIX, a Revolução Industrial despertou o ideal socialista. A competição desenfreada, o trabalho diário de doze horas, o emprego de crianças e a miséria inspiraram a defesa da igualdade.

Karl Marx, o mais importante teórico do socialismo, e Friedrick Engels acusavam o capitalismo de gerar o conflito de classes. No Manifesto Comunista (1848), eles sustentaram que o conflito conduziria ao triunfo da classe trabalhadora. O socialismo criaria uma forma superior de organização da sociedade que aboliria a propriedade privada e daria aos operários o controle dos meios de produção.

O comunismo, tido como estágio superior do socialismo, estabeleceu-se com a Revolução de Outubro de 1917, na Rússia. A ditadura do proletariado prometia o fim da opressão política, econômica e cultural. Os privilégios e os desperdícios acabariam. O comunismo seria um sistema científico, humanitário e irreversível. A União Soviética superaria os Estados Unidos. O capitalismo ruiria sob o peso de suas contradições.

Depois da II Guerra, com o aumento do número de países comunistas, muitos se convenceram de que o regime seria o futuro da humanidade, esquecendo que ele implicava o monopólio do poder do partido e o hipercentralismo. Eleições livres eram suprimidas e instaurava-se o totalitarismo. Desaparecia o respeito pela vida e  eliminava-se a oposição.

O regime comunista continha falhas que inibiam as iniciativas. Não havia incentivos à busca da eficiência e da produtividade. Sem democracia, inexistiam críticas a políticas equivocadas. Os erros não eram detectados nem corrigidos. A mola que impele o sistema capitalista, a inovação, era fraca.

O sistema de preços não tinha função. As decisões econômicas cabiam a um órgão central. Com a crescente complexidade da economia, esse arranjo se tornaria incapaz de planejar e coordenar atividades que envolviam gigantesco número de bens, serviços, consumidores e produtores. Somente a descentralização típica do capitalismo conseguia realizar essa façanha. Foi o comunismo, e não o capitalismo, a vítima de suas contradições.

A União Soviética se dissolveu em 1991. Seus integrantes adotaram o capitalismo. A China optou pela economia de mercado em 1978 com as reformas de Deng Xiaoping. Cuba dá passos para fazer o mesmo, como na distensão das relações diplomáticas com os Estados Unidos. Caso à parte, a Coreia do Norte mantém o comunismo à custa do totalitarismo.

O capitalismo foi capaz de se renovar nos campos social, político e econômico a partir da segunda metade do século XIX. Reformas políticas ampliaram a participação eleitoral e consolidaram a democracia representativa. Programas sociais, particularmente nos campos previdenciário, da educação, da saúde e da renda mínima,  viabilizaram-se com a arrecadação propiciada pela expansão da economia.

O mercado e as instituições ampliaram seu papel no estímulo à competição e, sobretudo, à inovação, que é a origem do processo de destruição criativa de que falava Joseph Schumpeter. Para ele, a inovação é a força motriz do crescimento e o “fato essencial do capitalismo”. A baixa capacidade de inovar foi a maior deficiência do comunismo.
O moderno capitalismo é composto de quatro elementos segundo Larry Neal, um dos coordenadores do livro “The Cambridge History of Capitalism” (2014): (1) direitos de propriedade; (2) respeito a contratos determinado por uma terceira parte (o Judiciário ou câmaras de arbitragem); (3) mercados que reagem ao sistema de preços; e (4) bons governos que apoiam a atividade privada.

O fracasso do comunismo e a reafirmação do capitalismo não arrefeceram de todo a crença na utopia socialista. No Reino Unido, o Partido Trabalhista, que parecia ter-se modernizado sob a liderança de Tony Blair, retrocede aos tempos do esquerdismo radical. Acaba de eleger um admirador confesso de Marx, Jeremy Corbyn, como o novo líder.

O Brasil construiu instituições básicas do capitalismo, mas a sociedade ainda não assimilou todos os princípios da ordem liberal, a fonte do êxito capitalista. No governo, o PT adotou ultrapassados ideais do intervencionismo estatal, reintroduziu o capitalismo de compadrio, que beneficia grupos em detrimento da maioria e da produtividade.
Neste momento, o desafio é promover reformas estruturais com vistas a fortalecer o capitalismo. Para o futuro, será preciso vencer a cultura antiliberal de muitos segmentos e reduzir o ranço socialista que ainda pulula nas escolas, nas universidades, em partidos e em sindicatos. Sem essas mudanças, o Brasil dificilmente se tornará um país rico. É preciso lutar por elas.

← Voltar