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26 de nov de 2014 , 18h01

Bolsa Família: voto racional, e não de cabresto

Bolsa Família: voto racional, e não de cabresto

Entre as barbaridades ditas na última eleição, duas tiveram a ver com o Bolsa Família. O PT reivindicou a paternidade do programa. Eleitores da oposição atribuíram a vitória de Dilma aos seus beneficiários, tidos como de cabresto. Nada disso é verdade.

O PT não pariu o Bolsa Família. Unificou programas herdados do governo anterior e criou o título. A ideia tampouco nasceu com FHC, cujo mérito foi adotá-la no governo federal depois de Campinas e Brasília. O PT cuidou de ampliar o programa, o que seria natural dada a natureza gradual de sua implementação.

Diz-se que o Bolsa Família é assistencialista, mas, em última análise, trata-se de um investimento em educação. A ideia surgiu de avanços da neurociência e de estudos de pesquisadores como o professor José Márcio Camargo, da PUC-Rio, autor de artigo que estimulou Lula a apoiar a proposta e a abandonar o mal concebido Fome Zero. O Banco Mundial, entusiasta do projeto, ajudou a disseminá-lo via publicações e operações de empréstimo. Nações ricas e emergentes o adotaram.

A neurociência evidenciou o período crítico para a aquisição das habilidades de linguagem e aprendizado de uma pessoa, que vai até os 12 anos de idade. Nesse tempo, ocorrem sinapses dos neurônios que permitem ao indivíduo aprender e se preparar para continuar aprendendo. Se ele não for à escola nesse período, dificilmente conseguirá qualificar-se para disputar postos de trabalho.

Como mostrou José Márcio, famílias pobres costumam depender do trabalho dos filhos para melhorar sua renda. As crianças não estudam e, assim, chefiarão famílias pobres do futuro. A alternativa seria “pagar” aos pais para retirar as crianças do trabalho, desde que as colocassem na escola. O benefício é, portanto, uma aposta na segunda geração dessas famílias, criando estímulos para que as crianças estudem. Trata-se, como falei, de um investimento em educação. O principal desafio é controlar a frequência à escola e, também, à vacinação. Dois outros são prover educação de qualidade e adotar mecanismos contra fraudes. A saída do programa não são os empregos, como se diz, pois os pais dificilmente podem ocupá-los.

O Bolsa Família não é voto de cabresto. Esse tempo passou, felizmente. Lá atrás, os coronéis abusavam de seu poder econômico e do controle do poder político para aliciar ou comprar votos. Eles eram intermediários entre o Estado e os eleitores pobres. O programa os aposentou dessa função.

O eleitor mira seus interesses quando vota. Estudos indicam que o pobre não se influencia necessariamente pelos poderosos. Ele é o “ignorante racional”, termo criado pelo economista americano Anthony Downs, conforme muito bem explicado pelo cientista político Marcus André Melo em entrevista às Páginas Amarelas de VEJA (15/10/2014). Por meio do voto, esse eleitor “tenta antes de mais nada maximizar seu bem-estar. Seu voto é coerente e racional”, assinalou Melo.

Nasci e vivi em uma cidade pobre da Paraíba, cuja população em grande parte hoje se beneficia do Bolsa Família. Terminado o período em que a cana-de-açúcar oferecia emprego, muitas famílias passavam a enfrentar a angústia da insegurança alimentar. Elas não sabiam se poderiam comer no dia seguinte. O programa lhes deu a certeza do amanhã. Mas, como não têm educação para avaliar riscos, imaginam que um novo governo pode cancelar o programa. Por isso, votam racionalmente no candidato oficial, quem quer que seja. Essas famílias votaram antes em FHC.

Espertamente, Lula convenceu que ele e o PT, e não a sociedade e o Estado, são a origem do benefício. O passo seguinte foi a vergonhosa propaganda do medo, afirmando que a oposição, se vencesse, acabaria com o programa. Foi caso pensado para aterrorizar pobres indefesos e explorar seu imaginário.

O Bolsa Família não teve papel decisivo na reeleição de Dilma. Os votos do programa são estimados em torno de 27 milhões, ou cerca da metade dos que sufragaram o nome dela nas urnas. Mesmo que fossem votos de cabresto, o PT precisaria dobrar o programa para vencer só com eles. Impossível.

Em suma, o PT não é dono do Bolsa Família, nem os beneficiários do programa têm votos para eleger presidente da República.

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