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16 de nov de 2016 , 14h05

Benefícios ocultos da PEC 241

Benefícios ocultos da PEC 241

Canhões ou manteiga? Essa questão simboliza a escolha que a sociedade deve fazer para aplicar seus limitados recursos. No caso, em defesa nacional ou na produção de alimentos e em atividades em favor da maioria. Familiar a quem frequenta bons cursos de introdução à economia, tal dilema nem sempre é considerado por juízes, procuradores e políticos que imaginam possível privilegiar ambos os objetivos.

Em finanças públicas, a questão remete ao “conflito orçamentário”, isto é, a decisão, sempre difícil, entre demandas legítimas e conflitantes. Educação ou infraestrutura? Saúde ou agricultura? Saneamento básico ou indústria? Até o século XVII, o conflito era raro. Monarcas absolutos definiam prioridades segundo a sua vontade.
A Revolução Gloriosa inglesa (1688) mudou essa realidade. Com o fim do absolutismo, o Parlamento assumiu o poder supremo e passou a gerir o conflito orçamentário. A aprovação anual do Orçamento tornou-se sua função mais nobre. A inovação institucional constou de duas outras revoluções fundadas em ideais iluministas: a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). Depois, espalhou-se mundo afora.

Nos países ibéricos, absolutistas até o início do século XX, a inovação demorou a enraizar-se. No Brasil, seu herdeiro, o conflito inexistia. Na maior parte da história, o autoritarismo negou ao Parlamento decidir sobre o assunto. Por isso, até os anos 1930, o Orçamento servia para nomear funcionários e dar nome a ruas. O regime militar não permitia emendar o projeto de lei orçamentária. Na democracia, o Congresso se omite, preferindo as emendas orçamentárias paroquiais.

Corporações poderosas, como a da educação, transformaram seus interesses em demandas da sociedade, que assim apoia a esdrúxula vinculação de receitas tributárias. Professores universitários bem formados fazem o mesmo. Com isso, a corporação evita o conflito orçamentário, reservando para si uma parcela permanente do Orçamento.

Desde o século XIX, nenhum país bem-sucedido em educação – Estados Unidos, Alemanha, Finlândia, Austrália, Japão, Coreia do Sul e Singapura – adota a vinculação. Nem por isso eles fracassaram em suas políticas educacionais. Tampouco ações relevantes como as da saúde os levaram a vincular recursos para a finalidade, como no Brasil.
A omissão é a forma de o Congresso fugir do conflito. A Constituição de 1988 devolveu-lhe o poder de emendar o Orçamento, mas sob certas condições, principalmente a anulação de outra despesa (artigo 166, § 3º). A aprovação de verba para construir o ginásio de esporte na terra do parlamentar pode implicar o cancelamento da dotação para erguer o hospital no município de um colega do Parlamento. Como fazer? O relator do Orçamento aumenta a estimativa da receita e promove a felicidade geral: as duas emendas – e mais outras – serão aprovadas. Maroto, não?
A PEC 241 vai pôr fim a cinco séculos de desprezo pela questão. O teto para a despesa imporá o conflito orçamentário, proibirá que educação e saúde sejam fonte para compensar a elevação de outros gastos. O conflito será complexo. Mesmo que se aprove a reforma da Previdência, suas despesas aumentarão nos próximos anos. O primo pobre, os investimentos, tenderá no início a ser o meio básico para viabilizar o teto. Mas essa válvula tem limites.

Não haverá mais como fugir do conflito com aumento de tributação, mais endividamento ou marotagem. Será preciso, em algum momento, questionar vinculações e também privilégios, como estabilidade de todos os funcionários públicos, educação universitária gratuita para ricos, subsídios injustificáveis para o setor privado, preservação de empresas estatais e por aí vai. De lambuja, a redução inescapável do investimento federal forçará a ampliação da privatização de infraestrutura de energia e transportes. Ganharemos mais eficiência e potencial de crescimento. Os benefícios da PEC 241 irão, pois, além do teto para gastos.

Só se fugirá do conflito cedendo a pressões para rejeitar o teto. Aí viria a temida hiperinflação. Precisamos nos opor ao reencontro com a tragédia.

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