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Política

26 de ago de 2015 , 13h43

A banalização do impeachment

A banalização do impeachment

O impeachment de Dilma, especula-se, evitaria que sua permanência, em meio à crise política, provocasse o colapso da economia com quedas adicionais de confiança e perda do grau de investimento. A medida excepcional, sem justificativa no momento, seria, entretanto, ruim para a democracia e para a economia. O instrumento não foi criado para destituir governantes incompetentes. É recurso extremo para casos raros.
O impeachment surgiu na Inglaterra (século XIV) para atender a clamores da opinião pública. Objetivava punir, por má conduta, ministros e altos funcionários subordinados ao rei. Foi uma reação do Parlamento ao poder absoluto. O fim do absolutismo, com a Revolução Gloriosa (1688), e a consolidação do regime de gabinete (século XIX) tornaram a medida inútil, pois o gabinete de ministros pode ser derrubado pelo Parlamento através da rejeição de um voto de confiança.
A Constituição americana (1787) incorporou o impeachment. Desde então, entende-se que o instrumento serve para situações muito graves, dado o seu custo político e econômico. Nesses 228 anos, houve apenas três processos: os dos presidentes Andrew Johnson (1868), Richard Nixon (1974) e Bill Clinton (1998). Nixon renunciou antes do julgamento. Johnson e Clinton foram absolvidos pelo Senado.
Na América do Sul, somente um processo foi concluído em quarenta anos, o do presidente Collor (1992). O impeachment de Dilma, na ausência de fatos novos, seria efeito de uma marcha da insensatez gerada pelos movimentos de rua, pela perda total de coordenação política e pelo oportunismo de grupos da oposição.
O segundo impeachment no Brasil, apenas trinta anos depois do fim do regime autoritário, banalizaria o instrumento, inibindo o amadurecimento da democracia. A experiência mostra que a prática eleitoral e os avanços na educação exercem efeito pedagógico em casos de más escolhas. Os custos induzem o eleitorado a votar melhor no futuro.
A alternância do poder pelo voto, no caso atual, fortalecerá a cultura segundo a qual as políticas de governo precisam corresponder às promessas de campanha. Isso aumenta a previsibilidade das decisões dos que ganham as eleições.
Se o impeachment virar uma espécie de remissão dos pecados de escolhas infelizes, o aprendizado tenderá a ser mais longo, ou a não se realizar. O voto de muitos se tornará irresponsável, à semelhança dos processos de anistia fiscal.
A boa administração tributária vê a anistia como um incentivo à inadimplência. O Refis é exemplo disso. Instituído em 2000, no governo FHC, ele veio a ser vulgarizado. Nos governos do PT, tornou-se mecanismo para aumentar receitas e ampliar gastos.
O mau exemplo se espalhou por estados e municípios. O Refis, é óbvio, induz contribuintes a atrasar o pagamento de tributos, financiando-se no Tesouro a custos menores do que os dos bancos. Fiam-se no provável perdão de multas com a reedição da regra, o que sempre se confirma. A banalização do impeachment poderia gerar efeito parecido no eleitorado.
O processo de impeachment de Collor durou três meses. Havia acusação de corrupção, o esfacelamento da base parlamentar e a perda até da mínima capacidade de articulação política do então presidente. O partido dele, o PRN, tinha servido basicamente para o registro de sua candidatura presidencial.
A situação atual é muito diferente. Há forte percepção de que Dilma não está envolvida pessoalmente em corrupção. Seu partido, o PT, perdeu apoio da opinião pública, mas preserva certa capacidade de articulação e conta com uma aguerrida militância. O processo de impeachment seria muito mais demorado e traumático, com repercussões de elevada gravidade na confiança dos agentes econômicos, incluindo os investidores estrangeiros, e custos elevados para a atividade econômica e o emprego.
A crise requer dos líderes políticos e dos demais segmentos da sociedade esforços no sentido de buscar, pela mobilização de vontades e por outros meios que não o impedimento, garantir condições de governabilidade que nos permitam conduzir, aos menores custos, a transição até 2018.
O voto nas eleições presidenciais – e não o impeachment – será a melhor via para julgar a presidente Dilma.

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