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Economia

3 de ago de 2008 , 15h27

Analfabetismo financeiro

Analfabetismo financeiro

A operação Satiagraha da Polícia Federal mostrou preocupante desinformação sobre o funcionamento do sistema financeiro. As equivocadas conclusões serviram de base para a decretação de várias prisões. Continua elevado o risco de assassinato moral dos que gerem recursos e dos que investem legalmente o fruto legítimo de seu trabalho.

O erro mais espetacular foi afirmar que houvera informação privilegiada sobre futura decisão do Federal Reserve, que reduziria a taxa básica de juros. O delegado poderia ter perguntado a um especialista se fazia sentido o que ouvira nas escutas, mas preferiu valer-se do instinto e registrou a suposta irregularidade no relatório e em entrevista coletiva.

Ocorre que beiram a 100% as chances de acerto das previsões sobre tal tipo de decisão. Assim, bastava ler um dos relatórios da época, emitidos por instituições financeiras, para apostar na decisão do Fed.

Esse acerto decorre da previsibilidade dos bancos centrais em economias estáveis e dotadas de boas instituições. Eles têm interesse que bem se interprete os sinais balizadores de suas decisões. Para tanto, buscam ser transparentes na sua comunicação com os agentes do mercado para que eles possam antecipar seu comportamento. Isso aumenta sua capacidade de coordenar expectativas e reduz o custo de medidas de combate à inflação.

O delegado não está sozinho. Muita gente boa, inclusive do governo, não consegue entender os passos do BC para preservar a estabilidade da moeda. O BC pode errar, mas as reações contrárias às suas decisões não-raramente mostram como políticos, empresários e analistas ainda têm muito que aprender.

Na verdade, entender bem a complexidade dos modernos sistemas financeiros costuma ser tarefa de técnicos das próprias instituições financeiras, de especialistas e de investidores que dispõem de informações abalizadas. Mesmo nos países ricos, o público revela carências incríveis sobre temas econômicos e financeiros.

Reportagem especial da revista The Economist de 3/4/2008 mostrou como a inadimplência nas hipotecas subprime, que deu início à crise em curso nos EUA, derivou muito da ignorância dos devedores sobre os riscos que assumiram. Nos países ricos, portadores de cartões de crédito pagam juros punitivos por não perceberem que deveriam liquidar a conta no vencimento. Alunos das melhores universidades não sabem a diferença entre taxa de juros real e nominal.

Por isso, o governo americano decidiu criar o Conselho de Alfabetização Financeira, composto de educadores e especialistas do mercado financeiro. O presidente do conselho é o Sr. Charles Schwab, titular de uma das mais importantes corretoras de valores dos EUA. Uma das primeiras iniciativas do novo órgão foi sugerir uma nova disciplina para o currículo escolar do segundo grau, intitulada “Matemática Financeira: Lições para a Vida”.

O conselho estimulou a criação de grupos de voluntários com conhecimentos especializados para aconselhar pessoas com dificuldades financeiras. Por decisão do Congresso americano, abril se tornou o Mês da Alfabetização Financeira. Outros governos, da Rússia ao Reino Unido, já se comprometeram a combater o analfabetismo financeiro.

No Brasil, a desinformação em questões financeiras (e também econômicas) não se limita ao público. Diferentemente dos países desenvolvidos, as nossas escolas de Direito, com as exceções de praxe, ignoram a necessidade de treinar os alunos – que serão os futuros delegados, procuradores e juízes – em Economia. Salvo os profissionais treinados no exterior ou os autodidatas, as faculdades não costumam dotar os advogados de adequado conhecimento econômico.

O mesmo ocorre em outras profissões, pois inexiste o ensino de Economia no nível médio. Na França, uma comissão criada pelo presidente Sarkozy propôs a inclusão dessa disciplina nos cursos secundários. Aqui, refletindo as visões de mundo do atual governo, preferiu-se tornar obrigatório o ensino de Sociologia e Filosofia.

Em resumo, enquanto melhorias no sistema educacional não vierem, inclusive para disseminar o ensino de noções básicas de Economia em todos os níveis, vamos continuar vendo relatórios como o da operação Satiagraha e as críticas contra a política econômica, quase sempre mal fundamentadas.

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