Economia
11 de maio de 2008 , 16h11Altos e baixos: grau de investimento e gasolina
O Brasil tem um governo de contrastes, em que convivem o novo e o velho. Por exemplo, o Ministério da Agricultura e o do Desenvolvimento Agrário, que atuam na mesma área, têm visões divergentes sobre direitos de propriedade.
Na área econômica, o Banco Central tem características de seus pares no mundo desenvolvido. Com o apoio de Lula, conduz uma política monetária responsável, que contribuiu decisivamente para a obtenção do grau de investimento. Simultaneamente, o Ministério da Fazenda se opõe à mesmíssima política, ainda que o negue.
O governo dá a entender que tais contrastes significam uma saudável divergência democrática. Dissensões internas são normais em qualquer governo, mas elas se resolvem quando uma parte convence a outra ou por firme arbitragem do chefe do governo. Tolerar discordâncias públicas é sinal de falta de comando.
Líderes de pulso não admitem desavenças que confundem a opinião pública. A primeira ministra britânica Margaret Thatcher agia prontamente nessas situações, livrando-se dos querelantes ou dos que à luz do dia disputavam idéias opostas.
Foi o caso do escândalo Westland (1986), fábrica britânica de helicópteros, então em crise. O ministro da Defesa, Michael Heseltine, queria uma solução europeia, com sua integração a fabricantes britânicos, franceses e italianos. O ministro da Indústria e Comércio, Leon Britain, defendia a fusão com uma empresa americana. Os dois divergiram publicamente. Foram convidados a “renunciar”. No Brasil também vimos decisões semelhantes.
Lula tolera as divergências entre a Fazenda e o BC. Apoia ao mesmo tempo uma política monetária responsável, idéias sem sentido, como o fundo soberano, e práticas que já faziam parte da história, como ocorreu no recente aumento da gasolina.
Com a extinção dos monopólios da Petrobrás nos anos 1990 e a consequente liberação do mercado de petróleo e derivados, estabeleceu-se a livre concorrência na distribuição de gasolina, diesel e álcool. A Petrobrás seguia uma regra que equiparava os preços internos aos internacionais, enquanto os postos competiam entre si para oferecer o preço mais baixo e os melhores serviços ao consumidor.
A regra foi abandonada no atual governo, que manteve inalterados os preços desde 2005, mas recentemente se rendeu à realidade das cotações do petróleo e dos efeitos do congelamento nas finanças da Petrobrás. Estavam sendo prejudicados os acionistas privados e a capacidade de investimento da empresa. Foi uma boa notícia saber que o governo leva em conta os interesses dos investidores privados na empresa. Do contrário, teria prolongado o congelamento.
A má notícia veio com a forma como se deu o reajuste da gasolina. Voltou-se a um passado que se imaginava superado. Os primeiros sinais vieram das declarações do novo ministro de Minas e Energia: os preços da gasolina não constituíam uma questão técnica. Tradução: a decisão seria política.
De fato, o reajuste de 10% veio com a redução da alíquota da Cide, de modo a manter os preços da gasolina ao consumidor. Se havia folga na arrecadação, esta deveria ser utilizada para investir em infra-estrutura, elevar o superávit primário ou reduzir a carga tributária em geral. O governo preferiu subsidiar os proprietários de veículos e aumentar o preço do diesel (o combustível dos ônibus utilizados pelos pobres).
O subsídio aos preços da gasolina neutraliza os incentivos para que os consumidores ajustem naturalmente sua demanda à nova realidade. Comportar-se-ão como se nada tivesse acontecido no mercado de petróleo.
É difícil considerar esse arranjo “inteligente”, como disse Lula em seu último programa de rádio. Pior, o anúncio foi feito pelo ministro da Fazenda, de quem se deveria esperar resistência a esse tipo de medida.
O arranjo visou a evitar danos à popularidade de Lula e a prevenir maior austeridade na política monetária. Dois erros muito claros.
Enquanto isso, o ministro das Minas e Energia prometeu fiscalização para punir os postos que aumentassem os preços da gasolina. O presidente estimulou os consumidores a denunciarem aumentos. Se os preços são livres por lei, por que fazer tais ameaças?
O arranjo saiu no dia em que a Standard & Poor’s anunciava o grau de investimento para o Brasil. Haverá maior contraste?