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Política

17 de dez de 2008 , 14h14

Abaixo a medida provisória

Abaixo a medida provisória

Dois acontecimentos recentes envolveram a medida provisória (MP), que dá ao presidente da República o poder de fazer leis sem a prévia anuência do Congresso. Primeiro, o senador Garibaldi Alves Filho, presidente do Senado, devolveu ao Executivo, por imprópria, a MP que anistiava dívidas de entidades filantrópicas. Segundo, a Câmara discutiu proposta de emenda constitucional (PEC) para reduzir o efeito paralisante da MP na atividade parlamentar. Acontece que a MP não tem conserto. É hora de questionar sua existência.

No início deste ano, o senador Garibaldi já havia feito críticas corajosas ao uso da MP. “Não é exagero afirmar que, a cada medida provisória editada sem os critérios de relevância e urgência, a Constituição é rasgada com desprezo. Sob tal pano de fundo, o que se distingue é um Congresso Nacional transformado em quarto de despejo de um presidencialismo de matiz absolutista”.

A PEC busca evitar o trancamento da pauta de votações, mas mantém a hipótese de bloqueio dos trabalhos legislativos. Seria uma mudança cosmética. O incentivo à utilização excessiva da MP e as incertezas jurídicas associadas à sua edição permaneceriam intocados.

A MP fazia sentido na travessia para a estabilidade de preços. A indexação generalizada da economia tornara a inflação intratável por mecanismos convencionais. A desindexação fez parte de todas as tentativas de estabilização, do Plano Cruzado ao Plano Real. Era inevitável intervir nos contratos. Requeria-se a surpresa e/ou a vigência imediata.

Diz-se que a MP é imprescindível para enfrentar crises externas. Sem ela – ou sem o decreto-lei do regime militar – teria sido mais grave o efeito das crises dos anos 1980 e 1990. Daí, nos dias de hoje, as MPs para permitir ao Banco Central lidar com a atual crise, mesmo que o país esteja preparado para resistir a tais situações.

O mesmo objetivo seria alcançado com um projeto de lei e mecanismos regimentais para assegurar sua rápida apreciação. É o que ocorreu nos Estados Unidos com o recente pacote de US$ 700 bilhões. Em meio à grave crise financeira, o Congresso aprovou a matéria em curto prazo. Ouviu opiniões e melhorou a proposta do Executivo. A sanção presidencial aconteceu no mesmo dia, sem necessidade de prévia publicação em Diário do Congresso e outras formalidades.

O decreto-lei (DL) versava apenas sobre (1) segurança nacional; (2) finanças públicas, inclusive normas tributárias; e (3) criação de cargos públicos e fixação de vencimentos. Não podia aumentar a despesa. A Constituição de 1998, que aboliu o DL e criou a MP, não fixou limitações. A MP ficou muito mais poderosa e foi banalizada. Tem sido utilizada até para mudar o Orçamento da União, um absurdo institucional.

O DL usurpava os poderes do Congresso. O regime militar o justificava como resposta à habitual demora em apreciar matérias relevantes e urgentes. Mais tarde, com as crises dos anos 1970 e 1980, o DL se tornou meio para a adoção de medidas emergenciais.

A MP se inspirou em medida idêntica adotada por uma democracia, a da Itália. Trata-se, todavia, de instrumento típico de regimes parlamentaristas, em que o Executivo tem de dispor de maioria estável para aprovação de suas propostas. A MP italiana é mera antecipação dessa condição, para casos urgentes. Não é a mesma situação de regimes presidencialistas como o brasileiro.

O Brasil atingiu estágio político, econômico e institucional que permite seguir o processo legislativo das democracias maduras, nas quais medidas legislativas emergenciais têm curso em regime especial de tramitação. Nesse contexto, a MP constitui uma excrescência. Não há justificativa plausível para mantê-la. O que justificaria a emissão de MPs para aumentar salários de servidores, anistiar dívidas ou criar a TV Brasil?

A extinção da MP exigiria a criação de regras para assegurar decisões rápidas em casos de urgência. Isso é fácil. Livrar o país desse arbítrio é dar mais um passo na consolidação da democracia e eliminar os riscos a que a MP submete os cidadãos e as empresas, derivados de mudanças súbitas e nem sempre razoáveis das normas legais.

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