A vingança de Tocqueville
Inspirada no pensador francês, uma síntese de setenta anos do Brasil
Alexis de Tocqueville (1805-1859) foi um pensador político e historiador francês que se tornou célebre por suas análises sobre a Revolução Francesa. É lembrado, todavia, pelo livro clássico em que analisou a democracia nos EUA, Democracia na América. Tocqueville admirava as instituições representativas americanas e o poder da imprensa. Previu que o país se tornaria uma grande potência.
Fabio Giambiagi, incansável coordenador de 39 excelentes coletâneas sobre temas econômicos e autor de cinco obras pessoais, recorreu a Alexis de Tocqueville para a epígrafe do último capítulo de sua nova obra, cujo título é o mesmo deste artigo: “É preciso que os governantes se apliquem em dar aos homens esse gosto pelo futuro e, sem o dizer, ensinem a cada dia aos cidadãos que a riqueza, o renome, o poder, são o preço do trabalho, que os grandes trunfos se encontrem situados ao cabo dos longos desejos e que nada se obtém de durável senão aquilo que se adquire com dificuldade”.
A frase de Tocqueville inspirou Fábio Giambiagi a “explicar como o Brasil chegou até aqui, aos trancos e barrancos, com os pontos positivos e negativos da nossa realidade, e sempre, na medida do possível, enfatizando o contraste entre aquilo que era feito e aquilo que seria necessário fazer.” Giambiagi cumpriu brilhantemente esse propósito. É uma das melhores, se não a melhor, descrição dos números e fatos de nossa trajetória.
Aqui e acolá, fez comentários sobre eventos políticos, incluindo a longa lista de barbaridades cometidas por Bolsonaro quando governou o país. Reconhece os acertos do ministro da Economia, Paulo Guedes, mas critica suas análises anteriores à assunção do cargo e sua tese de então sobre “40 anos de fracasso da social-democracia”. Sustenta que Guedes recorreu a um “truque” na argumentação utilizada para chegar a essa conclusão. Sobre os governos do PT, alterna elogios a políticas sociais e ambientais com críticas à condução da política econômica, particularmente às desastrosas intervenções do governo de Dilma Rousseff. Desmente, com base em dados irrespondíveis a “suposta (e falsa) tese” de que Lula havia recebido uma “herança maldita” de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, cujo governo é bem avaliado.
As conclusões sobre os governos do PT e de Bolsonaro desmentem as teses “escatológicas” de Bolsonaro e as jogadas de marketing rasteiro dos presidentes filiados ao PT ao se referiram a seus antecessores. Mas a obra é, na verdade, uma poderosa análise dos últimos mais de setenta anos da evolução da economia brasileira, incluindo os avanços institucionais que fizeram um Brasil melhor e os equívocos que criaram armadilhas para o futuro, como é o caso da generosidade da Previdência e da insustentabilidade fiscal, temas em que ele é um de nossos melhores especialistas. E não faltou a análise do desafio demográfico, o qual impõe ao país a necessidade de reformas para aumentar a produtividade, se quisermos voltar a crescer mais do que nos tempos recentes. A leitura é altamente recomendável.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943
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