Política
30 de mar de 2008 , 16h29A usina fazendária
O Ministério da Fazenda se tornou uma usina de más idéias, diagnósticos equivocados e falta de percepção da realidade brasileira e mundial. É inacreditável. As idas, vindas e recuos sugerem que as propostas são lançadas sem o exame adequado de suas viabilidade e consequências.
A última foi a ideia de limitar o número de prestações do crédito para a aquisição de automóveis. O objetivo seria esfriar o consumo, reduzir pressões inflacionárias e evitar que o Banco Central elevasse a taxa de juros. Felizmente, tal qual outras de igual jaez, a proposta não vingou.
Economistas da raça heterodoxa ficaram a favor. Disseram que seria melhor do que elevar os juros. Estes afetariam toda a economia, enquanto a medida se limitaria aos automóveis. Acontece que a inflação de automóveis nos últimos doze meses foi de apenas 2,6%. A conta devia ter sido feita antes de se pensar no assunto.
Ideias parecidas estiveram em moda entre os anos 1970 e 1980, particularmente na Europa. O objetivo era o mesmo: combater a inflação sem aumentar juros. Em uma delas, a “política negociada de rendas”, as empresas reduziriam os lucros e trabalhadores moderariam suas demandas salariais. Não funcionou.
A limitação do crédito foi adotada em alguns países. O Brasil recorreu a tetos globais (como na França) e a reduções do prazo do crédito. Com notáveis exceções atuais como a da China, o mundo se convenceu de sua ineficácia.
No Brasil ainda existe quem acredite na política de rendas e no controle quantitativo sobre o crédito. A surpresa foi ver a Fazenda abraçar idéias que haviam sido abandonadas há mais de duas décadas.
A proposta tem inúmeros defeitos.
Primeiro, em países estáveis como o Brasil o aquecimento excessivo do consumo gera pressões generalizadas de preços. A taxa de juros é a via mais eficaz e de menor custo para combatê-las. Controles quantitativos são ineficazes, geram distorções no sistema de crédito e prejudicam a economia.
Segundo, se a inflação ameaçasse fugir da meta, o Banco Central tem autonomia para elevar a taxa de juros, mesmo que a limitação do crédito estivesse em vigor. Teríamos o pior dos mundos: juros em alta, distorções no crédito e exacerbação das críticas ao BC.
Terceiro, o sistema financeiro brasileiro, sofisticado e integrado à globalização, encontraria caminhos para contornar as limitações e continuar oferecendo crédito de consumo em condições idênticas às atuais. Exemplo: leasing. O governo buscaria fechar as brechas, aumentando a intervenção, a confusão e os custos de transação.
Quarto, o regime de metas de inflação, até agora muito bem sucedido, seria desmoralizado. Nos muitos países que o adotam, como o Brasil, a taxa de juros é o instrumento utilizado pelos bancos centrais para alcançar as metas. Nenhum ressuscitou a ideia defunta do limite quantitativo do crédito.
Quinto, a medida constituiria um enorme retrocesso institucional. O Brasil vive um benigno ciclo de crédito, que tem permitido o acesso ao consumo de bens duráveis e à casa própria por parcelas crescentes da sociedade. O bem-estar aumentou. A confiança que construímos para chegar a esse ponto seria gravemente abalada.
Sexto, a limitação emitiria um mau sinal para os mercados e para os avaliadores de risco. A desastrada intervenção poderia abortar a decisão das agências de avaliação de risco, que estão a caminho de conceder ao Brasil o grau de investimento.
Sétimo, a competência institucional para lidar com questões atinentes ao crédito é do Banco Central e não do Ministério da Fazenda. Pelo menos é o que diz a lei bancária (4.595), a experiência internacional e a tradição brasileira. O fato de o ministro presidir o Conselho Monetário Nacional não muda essa realidade.
Oitavo, se o Ministério da Fazenda quisesse mesmo evitar o aumento da taxa de juros deveria buscar conter o consumo do governo e não o das famílias.
A proposta, mesmo que abatida em pleno vôo, não foi um bom passo. A repetição de fatos como este pode criar incertezas e deteriorar expectativas dos agentes econômicos. Fica sempre a dúvida se dessa usina virão novas más idéias.
O ministro teve o bom senso de desmentir a proposta e assim remover os receios de uma volta inconsequente ao passado. Pouco importa se foi um recuo pessoal ou uma ordem do presidente Lula. O assunto parece ter ido para as calendas.