A má ideia da cesta básica
Sua inclusão na reforma tributária é um passo atrás
Entre as muitas exceções da reforma tributária, a maioria em favor de grupos de interesse, figura uma regra de baixa justificativa: a cesta básica de alimentos. Ela tende a beneficiar as classes mais ricas e a elevar o lucro das empresas que comercializam os respectivos produtos.
Anos atrás, quando a cesta foi criada na Europa, parecia fazer sentido reduzir ou eliminar impostos que sobre ela incidiam. Beneficiaria as classes menos favorecidas, minimizando a regressividade dos impostos sobre o consumo (os pobres despendem, na cesta, uma proporção relativamente maior de sua renda). O pressuposto básico era o repasse integral do benefício aos consumidores.
Acontece que os ricos consomem os mesmos itens da cesta, em maior quantidade e a preços mais altos. O resultado é que eles se apropriam muito mais dos benefícios. Quanto mais se amplia a cesta, mais os ricos ganham, mais aumenta a complexidade da tributação e mais se reduz a produtividade. Finalmente, as empresas repassam apenas parte do benefício aos preços, elevando seus lucros.
Daí surgiu uma segunda saída. Em lugar da redução dos impostos, a regressividade poderia ser enfrentada via orçamento público, mediante programas sociais. Isso não avançou muito, por dificuldades práticas ou por questões de economia política. É difícil convencer os políticos e a sociedade da inconveniência do uso de impostos sobre o consumo com objetivos distributivos, ainda que isso seja verdadeiro. Ou de que haja instrumentos mais eficientes.
A solução veio com o avanço da tecnologia, que viabilizou a “devolução personalizada” do imposto, o cashback. O imposto é devolvido ou descontado no momento em que a compra é efetuada. O método é aplicado com sucesso no Equador, no Uruguai e no Rio Grande do Sul.
Além da inequívoca vantagem operacional e social do cashback, seus beneficiários prestam um serviço ao país. Ao terem que exigir a nota fiscal para gozar do benefício, isso mitiga a sonegação, tornando desnecessário o aumento de alíquotas para compensar as respectivas perdas tributárias. Em localidades em que não seja possível cumprir esses requisitos, o projeto de lei de regulamentação da reforma tributária cria uma válvula de escape, por meio de um cálculo simplificado da devolução.
Diante dessa realidade favorável, o Congresso teria tudo para resistir aos lobbies em torno da cesta básica, inclusive os que defendem a medida por miopia ou desinformação. A saída seria não regulamentar a cesta, permitindo que o cashback funcionasse plenamente.
É pouco provável, todavia, que os parlamentares adiram a essa proposta. Desse modo, resta a esperança de que, nas próximas revisões da reforma, o funcionamento da cesta básica venha a provar sua inconveniência. Uma das grandes inovações da reforma foi a regra pela qual as normas sejam revistas a cada cinco anos. Teremos a oportunidade de optar pelo cashback, que é a melhor forma de limitar a redução de impostos apenas aos segmentos menos favorecidos.
Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898
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