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23 de ago de 2019 , 14h44

STF: mais julgamento sem medir suas consequências

Supremo Tribunal Federal (Cristiano Mariz/VEJA)

A formação de maioria para julgar como inconstitucionais dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mostrou, mais uma vez, que os ministros do STF podem aferrar-se a aspectos formais para evitar que o setor público se adapte à realidade. Fazem isso com a melhor das intenções, mas não medem as consequências. Esses dispositivos autorizavam ajustes nos gastos de pessoal quando estes excedessem o limite de 60% das receitas correntes líquidas de estados e municípios. As medidas incluíam redução da jornada de trabalho com diminuição proporcional dos vencimentos e de outros benefícios.

Os estados enfrentam talvez o seu pior momento de penúria financeira. Cerca da metade deles já infringiu os limites da LRF. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio Grande do Norte parcelam os pagamentos devidos a servidores da ativa e aposentados. Se nada for feito, todos, sem exceção, caminharão para o colapso fiscal nos próximos anos.

Muito do descalabro decorre de gestão irresponsável de governos anteriores na contratação de funcionários e na concessão de reajustes salariais. Muito se deve também a Tribunais de Contas dos estados, que coonestaram manobras fiscais para disfarçar aumentos salariais e, assim, “cumprir” os limites. Trazidas à realidade pela Secretaria do Tesouro Nacional, tais despesas já superam 70% da receita líquida em alguns estados.

Mesmo decorrentes de má gestão, inclusive dos que deveriam fiscalizar a gestão dos governadores, não se pode fugir à necessidade de ajustar os gastos de pessoal à realidade orçamentária e aos ditames da LRF. Não foi o que concluíram os ministros do STF que formaram a maioria pela inconstitucionalidade dos dispositivos da lei. É como se não existisse a “restrição fiscal”, isto é, o limite para gastar diante das possibilidades orçamentárias e do endividamento público.

Ao STF, como se sabe, cumpre interpretar a Constituição. Dificilmente, todavia, como mostraram os ministros que votaram pela constitucionalidade da LRF, não é possível aceitar que a letra fria da lei seja imune à imposição dos fatos.

A decisão protege de ajustes os felizardos servidores estaduais, que permanecem imunes ao mundo real da arrecadação tributária e dos limites estabelecidos na LRF. Os juízes não se preocuparam com a marcha rumo ao colapso dos serviços públicos essenciais prestados pelos estados, particularmente os de saúde, educação e segurança.

O custo da generosidade interpretativa será pago pelos trabalhadores do setor privado, que não contam com a mesma proteção que o STF garante aos servidores públicos estaduais, que além do mais têm poder de pressão para aumentar seus ganhos.

É hora de mudar a Constituição para que possamos seguir o exemplo de países que enfrentam situação fiscal semelhante. Os brasileiros que não gozam da mesma proteção conferida pelo STF aos barnabés estaduais – até porque seria impossível – não podem continuar a pagar o custo da irresponsabilidade de governadores.

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