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24 de set de 2018 , 16h11

Somos um esquisito caso em que não gastar no governo é crime

O ex-prefeito e vereador do Rio de Janeiro, Cesar Maia (Ricardo Borges/Folhapress)

Acusado de improbidade administrativa pelo Ministério Público (MP), o ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia teve seus direitos políticos suspensos por cinco anos em sentença da juíza Mirela Erbisti, da 3ª Vara de Fazenda Pública.

O MP alegou que o ex-prefeito não aplicou o percentual mínimo de 25% da receita de impostos para a manutenção do ensino no município do Rio nos anos de 2007 e 2008. O ex-prefeito disputa uma vaga ao Senado, vai recorrer da decisão e manterá a campanha.

Se for condenado em última instância, Maia protagonizará uma esquisitice, qual seja a de um gestor público ser sentenciado por gastar menos. A origem é a Constituição, que obriga estados e municípios a aplicar 25% de seus impostos em educação (18% na União).

Não conheço o processo, mas não é de descartar excessivo zelo do MP. É difícil cravar os 25%, pois a estimativa desses gastos, feita no Orçamento municipal, pode não ser o percentual exato diante da arrecadação, que é conhecida no ano seguinte.

Tecnicalidades à parte, a vinculação de recursos para a manutenção do ensino dificilmente existe em outros países. A regra fixa uma obrigação eterna e cassa o poder de decisão das futuras casas legislativas. Ocorre que o papel mais relevante de um parlamento é decidir anualmente sobre a aplicação das receitas públicas. No Brasil, isso deixou de ser verdade para pelo menos 90% dos orçamentos das três esferas de governo.

A vinculação gera incentivos incorretos. Os órgãos que recebem os recursos não precisam preocupar-se com a eficiência na gestão, pois têm garantida uma parcela do Orçamento. Isso costuma gerar desperdícios. Nos últimos trinta anos, os gastos com educação duplicaram como proporção do PIB. Hoje gastamos 6% do PIB, mais do que o observado nos países ricos (5.5%). Apesar disso, a educação brasileira continua de baixa qualidade.

Há municípios, não necessariamente o do Rio, em que as mudanças demográficas e as migrações reduziram substancialmente a população infantil. Como a tais municipalidades cabe conduzir o ensino fundamental, a obrigação de aplicar 25% das receitas em educação fica impraticável. Sobra dinheiro.

Assim, para não passarem pelo dissabor da suspensão de direitos políticos ou mesmo da prisão, os prefeitos têm que inventar formas de gastar o dinheiro. Criam programas de transporte de estudantes para outras cidades, creches para todos e por aí afora.

Parece ter chegado a hora de uma discussão séria sobre a vinculação de recursos para a educação, mas isso não será fácil. A corporação do setor é muito poderosa. Professores universitários de alto nível intelectual defendem a regra. Acham que o Congresso não saberá destinar recursos adequados para a educação no Orçamento. Em suma, desconfiam da capacidade dos representantes do povo e, em última análise, da democracia.

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