Recuperação econômica não passa por Plano Marshall ou New Deal
A ideia de um Plano Marshall tupiniquim desconhece a história; a proposta de aumentar gastos públicos despreza seus graves riscos
Ideias que circulam em Brasília são motivo de preocupação. Em um Palácio do Planalto, preocupado com a recuperação da economia, primeiro se falou em um Plano Marshall e agora se menciona um Pró-Brasil com gastos públicos de 300 bilhões de reais em dez anos. Ao que parece, o Ministério da Economia não tem, como deveria ser, a liderança na formulação dessas propostas. Nenhuma delas pode ser considerada apropriada.
O Plano Marshall foi uma iniciativa dos Estados Unidos para reconstruir a Europa Ocidental após a II Guerra Mundial. Seu objetivo geopolítico era evitar que os europeus ocidentais caíssem na esfera de poder e influência da União Soviética, que já havia dominado a Europa Oriental. A liderança do plano coube ao país que emergiu do conflito como potência inquestionável.
Os americanos dispunham de condições financeiras e operacionais para conduzir o plano, inclusive porque haviam saído do embate com sua infraestrutura e economia intactas — salvo as perdas de Pearl Harbor, relativamente insignificantes em comparação com a economia continental do país. Nada a ver com o Brasil, que não tem o valor estratégico da Europa Ocidental daquela época e, assim, não pode esperar a ajuda de uma potência estrangeira para recuperar sua economia.
O Pró-Brasil se assemelha mais ao esforço fiscal do New Deal do presidente Franklin D. Roosevelt para tirar a economia americana da Grande Depressão dos anos 1930. No campo fiscal, o plano envolveu investimentos em infraestrutura, compreendendo rodovias, hidrelétricas e outras obras, principalmente em regiões menos desenvolvidas, caso do Vale do Rio Tennessee.
Acontece que o Tesouro americano dispunha de margem para aumentar o endividamento público com o objetivo de financiar o programa governamental de investimento. A contração do consumo e do investimento, provocados pela Depressão, haviam elevado a poupança doméstica. Não é definitivamente o caso do Brasil. A relação entre a dívida pública brasileira e o PIB — o principal indicador de solvência do setor público —, que era de 76% do PIB em 2019, pode chegar a mais de 91% se a queda do PIB for de 5% este ano e se forem aprovados novos gastos para enfrentar a crise em curso, como parece muito provável.
Assim, o que se espera do governo é limitar os gastos atuais aos estritamente necessários a lidar com a crise e não criar despesas permanentes. Na verdade, será preciso um ousado programa fiscal destinado a gerar superávits primários dentro de poucos anos, de modo a reduzir paulatinamente a razão entre dívida pública e Produto Interno Bruto. Do contrário, o país pode caminhar para uma insustentável situação do endividamento público, cujo efeito danoso seria uma grave crise de confiança que nos jogaria em um quadro de inflação e estagnação. Os efeitos sociais e políticos desse desastre seriam incalculáveis.
O esforço de recuperação da economia no pós-crise deverá combinar contenção fiscal, incluindo elevação da carga tributária incidente sobre os segmentos mais favorecidos, e criação de um ambiente propício ao investimento privado. Fora disso, por mais intencionados que estejam segmentos do governo defensores do tipo de recuperação de que se cogita, é correr o risco de conduzir o país para o abismo.