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24 de set de 2011 , 22h23

Por que o real se deprecia mais do que outras moedas

Nas últimas três semanas, assistiu-se a um movimento global de depreciação de moedas em relação ao dólar norte-americano. A explicação é conhecida: o medo do calote grego e de suas consequências tem levado os investidores a buscar portos mais seguros para seus recursos. O principal deles é o dólar. O franco suiço também foi um refúgio, mas o interesse arrefeceu depois que o Banco da Suiça (o banco central do país) decidiu que gastará o que for suficiente para manter a paridade de 1:1,2 entre o euro e o franco.

O efeito natural dessa “fuga para a qualidade” é a valorização do dólar e, consequentemente, a desvalorização das demais moedas. Mas por que esse processo é mais intenso em relação ao real brasileiro? Explicação: apareceu um componente estrutural para o nosso caso, derivado de incertezas construídas pelo governo. Começou em fins de agosto com a surpreendente decisão do Banco Central, de reduzir a taxa Selic contrariamente ao que indicavam suas informações anteriores e a expectativa dos analistas. Depois, vieram as medidas protecionistas em favor da indústria automobilística, cujo grau de precipitação e improvisão deu a impressão de que o governo não tem serenidade para reagir adequadamente a crises. Aumentou o risco de mudança súbita e irracional das regras do jogo.

Antes disso, havia ocorrido uma intervenção brutal e mundialmente inédita do governo nos mercados de derivativos, via imposição do IOF. Seus efeitos somente apareceram mais nitidamente na semana passada, quando a piora dos humores dos mercados em todo o mundo e a maior valorização do dólar levaram as empresas a buscar a proteção contra os efeitos da depreciação do real. É que nos últimos anos aumentou muito o endividamento externo das empresas e a participação de partes, peças e componentes importados nos bens que elas produzem. Em outras palavras, elevou-se a exposição dessas empresas em obrigações em moeda estrangeira.

Assim, subiu a demanda por derivativos cambiais nos mercados futuros. Acontece que os vendedores praticamente desapareceram, devido às incertezas e aos custos elevados do IOF nos derivativos. O dólar começou naturalmente a dar pulos diários. Foi preciso o Banco Central fazer as vezes dos naturais especuladores, aqueles que poderiam oferecer a contrapartida de quem quer comprar. A intervenção do BC, vendendo contratos de swaps de derivativos cambiais, acalmou o respectivo mercado, mas o risco de novos saltos continua.

Uma depreciação forte e duradoura, como parece ser o caso, vai criar novas pressões inflacionárias, elevando o risco de o BC perder a meta de inflação em 2011. A Tendências projeta IPCA de 6,6% este ano (acima do limite superior da meta, de 6,5%), mas se a depreciação continuar isso se tornará uma certeza. Para 2012, será muito difícil que o BC cumpra sua promessa de fazer convergir a inflação para a meta de 4,5%. Isso somente seria conseguido em 2013. E olhe lá. A não ser que a economia mundial desabe e o governo cumpra a quase impossível promessa de gerar superávit primário de 3,1% do PIB no próximo ano.

Para reduzir a maior parte do componente estrutural mencionado, o certo seria revogar o IOF nos derivativos ou no mínimo zerar a alíquota atual de 1%. Isso seria uma medida sensata. Pode até ser que ela venha, mas eu temo que falará mais alto a visão deste governo, de que a intervenção foi feita para enfrentar “especuladores” que conspiram contra o Brasil. Para quem pensa assim, questões técnicas não pouco relevantes. Vamos ver.

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