O Orçamento da União vai ficar mais sério
O Orçamento da União tem se tornado crescentemente impositivo: suas disposições têm que ser cumpridas pelo Executivo. Mudança constitucional estabeleceu que as emendas individuais de parlamentares não se subordinariam ao contingenciamento decretado pelo presidente da República. Agora, no Orçamento para 2020, a lei estendeu a regra às chamadas emendas de bancadas, incluindo a respectiva ordem de prioridade.
Trata-se de inequívoco avanço institucional. O próximo passo será estabelecer que todo o Orçamento será impositivo, eliminando a esdrúxula interpretação de que o Executivo é obrigado a liberar apenas dotações compulsórias, como as relativas a pessoal, vinculações constitucionais e serviço da dívida pública.
Essa norma não consta da Constituição nem da lei, tendo sido criada por uma interpretação da área econômica do governo ao longo dos anos. É comum ver autoridades declararem que o Orçamento tem caráter “autorizativo” ou “programático”, ou seja, apenas indicaria áreas onde seriam aplicados os recursos aprovados pelo Congresso. Ao Executivo caberia cumprir apenas o que fosse compatível com a política econômica.
Trata-se de aberração não amparada na história nem na democracia. A partir de 1688, com a Revolução Gloriosa inglesa, o parlamento se tornou a palavra final sobre o Orçamento. Nos anos seguintes, a peça orçamentária passou a ser a base, por excelência, das políticas públicas. É no Orçamento que se definem as prioridades do país. A norma foi incorporada em todas as constituições de países democráticos.
A Constituição brasileira não fica para trás. Pelo parágrafo 8º do artigo 165, “A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à fixação da receita e à estimativa da receita”. Ressalte-se que o texto adota verbos diferentes: “fixar” para a despesa e “estimar” para a receita. Adicionalmente, dado que o Orçamento é uma lei, não cabe ao Executivo decidir o que cumprir.
Nos países que levam a sério o assunto, não se exclui a hipótese de contingenciamento, que é justificável em caso de queda nas receias ou da emergência de crises. Sendo o caso, o Orçamento deverá ser submetido novamente ao parlamento, que discutirá os cortes propostos e dará a palavra final. É o que se viu em países da Europa que viveram as consequências da crise financeira mundial de 2008, como Grécia, Portugal e Irlanda.
Confiar ao Tesouro Nacional esse poder equivale a subverter a própria democracia. Além disso, à falta de debate e da fixação de critérios para os cortes orçamentários, cria-se uma grave ineficiência na gestão fiscal. Políticas relevantes podem sofrer reduções injustificáveis de suas dotações. Provavelmente, grande parte das milhares de obras paralisadas país afora tem origem nesse processo.
É hora de dar o passo definitivo e abandonar conceitos inadequados sobre a execução orçamentária. Dá mais trabalho, mas é coerente com a democracia e com a boa gestão do Orçamento e das políticas públicas essenciais para o desenvolvimento do país.