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27 de jan de 2019 , 10h18

O inconsequente bloqueio de recursos da Vale

Peixe é visto em meio ao mar de lama após a o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Vale, em Brumadinho (MG) - 27/01/2019 (Adriano Machado/Reuters)

O bloqueio de R$ 10 bilhões de recursos da Vale, decretado por proposta do Ministério Público, para reparar danos decorrentes do rompimento da barragem da empresa em Brumadinho, pode servir de conforto para as famílias que perderam entes queridos e/ou tiveram seu patrimônio destruído. Pode também contentar a opinião pública revoltada com o desastre.

Dificilmente, todavia, a medida terá considerado todas as circunstâncias do caso, como é de esperar de atos do Ministério Público e do Judiciário. Não há notícia de perícias que permitam determinar quanto a empresa terá de despender com indenizações. A decisão judicial contém, implícitas, duas inferências; (1) a de que a empresa pode falir, deixando de fazer os reparos devidos; (2) a de que pode encerrar suas atividades e fugir com o dinheiro que caberia às vítimas. Nada disso existe nos despachos, mas é lícito supor que tenham existido inconscientemente, embora não façam qualquer
sentido.

O bloqueio dos recursos pode afetar negativamente as atividades da empresa, dificultando o pagamento de obrigações como salários, tributos e compromissos perante seus fornecedores de bens e serviços. A percepção de que isso pode acontecer impactará expectativas do mercado, com danos adicionais à Vale. À míngua de recursos, a empresa pode ter que demitir funcionários. Seria um desastre sobre outro.

Além disso, é muito provável que a empresa tenha feito seguro contra eventos como o da última sexta-feira, que costumam cobrir tanto danos materiais quanto pessoais, incluindo mortes ou invalidez permanente. O sinistro será pago se as seguradoras e a resseguradora se convencerem de que o rompimento não se deu por negligência da Vale.

Mesmo que haja o seguro, como é muito provável, a Vale pode responder por danos morais e submeter-se a ações de pessoas inconformadas com a indenização paga pelo seguro. Isso levaria anos de um processo judicial complexo.

Durante esse período, a empresa faria provisões em seu balanço para ocorrer a eventuais perdas. Caso contrário, seus auditores externos exigiriam tais provisões antes de emitir opinião sobre os balanços da empresa perante acionistas e reguladores, aqui e no exterior. A Vale não correria, pois, riscos de danos à sua solvência, como pode ser o caso se persistir o bloqueio de seus recursos.

Por tudo isso, não parece fazer sentido a sofreguidão com que se decidiu bloquear recursos da Vale. E se ficar provado que a empresa tomou todas as medidas ao seu alcance para monitorar e controlar os riscos de rompimento dessa e de outras barragens? E se tudo tiver acontecido por acidente fora do seu controle?

Como se vê, além do caótico sistema tributário, da arcaica legislação trabalhista (embora melhorada recentemente), da dificuldade de operação de logísticas e de outros fatores, decisões judiciais sem evidências concretas também contribuem para formar o hostil ambiente de negócios no Brasil.

 

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