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29 de set de 2011 , 22h21

O governo pode interpretar mal sinais tributários europeus

A decisão do governo de aumentar tributos não foi abandonada. Como já comentei aqui, não há como compensar, com o corte de outras despesas, os substanciais aumentos de gastos com a saúde, que decorrerão da aprovação da emenda 29. Será uma paulada de R$ 40 a 50 bilhões. Uma saída, ainda que temporária, seria congelar o projeto no Senado por alguns anos, o que já é sugerido em círculos do governo e do Congresso. A prova de que a elevação da carga tributária se mantém nos planos foi a entrevista da ministra de Relações Institucionais, Idely Salvatti, ao Estadão da última segunda feira, em que defendeu explicitamente a ideia.

A Câmara inviabilizou a criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS). Muitos senadores se disseram contra qualquer novo tributo para a finalidade. Enquanto isso, quase todos os governadores continuam fazendo declarações em favor da criação do tributo. O governador da Bahia, Jacques Wagner, defendeu sem peias o renascimento da CPMF. O pior nesse imbróglio é que o novo tributo seria inapelavelmente partilhado com os Estados e municípios. O governo precisa do apoio de governadores e prefeitos para pressionar o Congresso pela aprovação, ainda que depois das eleições municipais de 2012. Nunca mais seria extinto.

Ontem, surgiu um fato que pode dar mais argumentos aos defensores da recriação da CPMF. Trata-se do anúncio oficial, por líderes europeus, de que será proposta a criação de um imposto sobre transações financeiras. Alguns jornais compararam esse imposto à CPMF. Ora, dirão ministros, governadores e prefeitos do Brasil: se os europeus recorrem à sua CPMF é porque o tributo não é tão danoso quanto se fala por aqui. Do contra, arrematariam, são os que não se preocupam com a saúde ou professam ideais neoliberais contra aumentos da carga tributária, particularmente a CPMF.

Acontece que o novo imposto europeu seria muito diferente da CPMF. A alíquota seria de 0,1% (0,38% na CPMF). Incidiria apenas sobre as negociações de títulos de renda fixa, ações e derivativos (neste último caso com uma alíquota de 0,01%). A CPMF incide sobre qualquer débito ou crédito em contas correntes. Seu efeito na economia é muito mais perverso, pois onera transações relacionadas com a compra de matérias primas, partes, peças, componentes, transporte, pessoal e por aí afora. Até no pagamento de tributos o contribuinte arca com a CPMF.

O debate na Europa está apenas começando. Os principais centros financeiros – Londres e Frankfurt – vão resistir, pois podem ver suas transações migrarem para países que não criarem o imposto. Para evitar isso, todos os países relevantes teriam que ir pelo mesmo caminho. Ou seja, além da aprovação nos 27 membros da União Européia, seria preciso fazer o mesmo pelo menos nos países integrantes do G-20. Diz-se que os franceses apresentarão essa ideia na próxima reunião desse grupo, em novembro, prevista para acontecer na França. Sua aprovação nos Estados Unidos é quase impossível. Além da natural resistência da sociedade americana a novos tributos, a Câmara de Representantes é controlada pelo Partido Repúblicano, notoriamente contrário a aumentos de carga tributária, como se tem visto nos embates recentes, incluindo o que envolveu a elevação do teto da dívida pública federal americana. O sistema financeiro americano seria o que mais ganharia com a migração de investidores correndo da tributação europeia, mais uma razão para resistir à criação do tributo.

Em resumo, a não ser que a regulamentação da emenda 29 vá para as calendas, os defensores da criação da CPMF (ou algo parecido) provavelmente vão invocar o exemplo europeu. Será uma má interpretação, mas quem no sistema político brasileiro se preocupa com isso?

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