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26 de out de 2011 , 22h08

O espírito da substituição de importações ressuscita

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A industrialização por substituição de importações foi adotada em muitos países, inclusive nos Estados Unidos. O desafio é saber quando revertê-la, pois essa política tende a acumular distorções derivadas de longos períodos de proteção à chamada indústria nascente. Uma das distorções mais conhecidas é a ausência de incentivos à inovação. Protegidas da competição externa, as indústrias tendem a se acomodar. Por isso, os consumidores pagam mais por produtos de menor qualidade. Outro desafio é superar o estágio em que a substituição de importações provoca importações crescentes de bens de capital, partes, peças e componentes destinados à produção local dos bens antes importados.

O Japão nos anos 1970 e na década seguinte os tigres asiáticos – Coreia do Sul, Hong Kong, Tiwan e Cingapura – conseguiram vencer esses desafios e migraram para a condição de nações mais abertas, dotadas de grande capacidade exportadora. Ao participarem dos mercados mundiais, tiveram que se tornar competitivas, o que conseguiram via avanço tecnológico. A inovação era apoiada pelo governo e contava com pessoal altamente qualificado, fruto de boas políticas educacionais. Ao atuarem em mercados sofisticados e exigentes, as empresas absorveram métodos de gestão mais modernos, o que reforçou sua competitividade.

Enquanto isso, a América Latina aprofundava o modelo de substituição de importações. Países como o Brasil e a Argentina construíram uma base industrial ampla e diversificada, mas altamente ineficiente, que dependia mais e mais de uma economia fechada. No Brasil, a crise dos anos 1980 evidenciou definitivamente os efeitos negativos da política. Ainda no governo Sarney, fez-se diagnóstico da situação e se iniciou o processo de abertura da economia, que foi acelerado nos governos Collor, Itamar e FHC. A abertura se associou à estabilidade propiciada pelo Plano Real. Os respectivos ganhos de produtividade começaram a aparecer nos anos 2000 e explicam a aceleração da taxa de crescimento econômico no governo Lula, que manteve a política econômica herdada e se beneficiou da elevação da demanda de nossas commodities em decorrência da emergência da China. Lula reivindica todos os méritos dessa nova realidade, mas seu papel – nada desprezível – foi o de jogar fora o programa econômico do PT, evitando que a adoção de ideias equivocadas interrompesse o ciclo no seu nascimento.

Agora, a crise mundial constituiu o pano de fundo para o retorno das velhas ideias de substituição de importações, que pareciam sepultadas. Sob a liderança do ministro da Fazenda (e não do Desenvolvimento), o governo criou um adicional de 30 pontos percentuais do IPI sobre automóveis importados. Feita de forma improvisada, a medida violou normas constitucionais e confrontou regras da Organização do Comércio (OMC) subscritas pelo Brasil. O Supremo Tribunal Federal saneou os erros domésticos, determinando que se observe o prazo de 90 dias para entrada em vigor do aumento do IPI. Na OMC, há sinais de que alguns países contestarão o movimento protecionista brasileiro.

No afã de fazer a viagem de volta ao passado, o governo reinstituiu a exigência de índices mínimos de nacionalização de certos produtos, o que era muito utilizado nos anos 1960 e 1970. Assim, a indústria automobilística deve adquirir obrigatoramente no mercado nacional 65% das partes, peças e componentes necessários à produção. Por incrível que pareça, isso vale até para as empresas que vierem a se instalar no país, um completo absurdo. No mesmo sentido, estão sendo concedidos favores fiscais para a produção local de tablets, enquanto se tributa pesadamente os importados. Um tablet estrangeiro custa aqui o dobro de seu valor na origem. O consumidor continuará a pagar mais caro por um produto de menor qualidade, em uma área de fronteira do conhecimento e que pode trazer inúmeros benefícios. Perderão os consumidores. Ganharão as indústrias protegidas e seus empregados. É a coalizão inflacionária dos tempos antigos. A regra de conteúdo mínimo se aplica também à exploração do pré-sal, o que obrigará a Petrobrás a pagar mais caro pelos equipamentos, provavelmente entregues em maior prazo.

Dificilmente voltaremos a produzir “carroças”, pois não se prevê o restabelecimento da proibição da importação de carros importados. Alguma competição existirá. Mas para se ter uma outra demonstração do custo social do renascimento de ideias do passado, que incluíam a proibição de certas importações, o Estadão de ontem trouxe um exemplo interessante, para não dizer perverso. Os brasileiros estão pagando R$ 30,00 pelo quilo de sardinha. O quilo de carne bovina custa R$ 15,78. Isso porque o governo não admite a importação da chamada “sardinha peruana”, que é a anchoveta pescada em mares do Peru, um perfeito competidor da sardinha nacional. Explicação: o ministro da Pesca, o petista Luiz Sérgio, é ex-prefeito de Angra dos Reis, onde se pesca sardinha. A mesma técnica de obter ganhos eleitorais e políticos em detrimento do consumidor foi praticada por sua antecessora no Ministério da Pesca, Ideli Salvati, de Santa Catarina, onde também se pesca a sardinha.

O apetite com o qual o governo Dilma se lança à reedição das políticas vestutas de substituição de importações terá o seu custo: menos eficiência, menor potencial de crescimento e maior custo para os consumidores.

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