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5 de maio de 2021 , 14h58

O duro golpe na melhor proposta de reforma tributária

A decisão de Arthur Lira, de extinguir a comissão de reforma tributária, pode desperdiçar dois anos de trabalho em prol da modernização da tributação do consumo

Em pleno jogo, um juiz decidiu encerrar a partida. É isso que fez ontem, 4/5, o presidente da Câmara, Arthur Lira, ao extinguir a comissão mista de reforma tributária criada pelo seu antecessor, Rodrigo Maia, e pelo então presidente do Senado, David Alcolumbre. A comissão examinava duas propostas de reforma, as da PEC 45 (Câmara) e da PEC 110 (Senado). Perdem-se cerca de dois anos de profícuos debates, que contribuíram para aperfeiçoar os projetos e negociar saídas para as resistências ao projeto.

Para lembrar, as duas PECs propõem uma solução para o caos da tributação do consumo, fonte principal de ineficiências na economia, de perdas de produtividade e de redução do potencial de crescimento do país. Previa-se a criação de um moderno Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), na linha das melhores práticas internacionais, adotadas por mais de 180 países que seguem essa modalidade de tributação.

Espanta a decisão do presidente Lira quando se sabe que ele exerceu pressão para a leitura do relatório da comissão pelo deputado Aguinaldo Ribeiro, seu relator. Foi dele o anúncio de que isso aconteceria esta semana. Houve reunião prévia dos líderes em que se sacramentou a ideia de Lira, o que permitiu a leitura do texto na tarde de ontem. Em meio à leitura, veio a decisão de extinguir a comissão, sob a alegação de que ela já havia ultrapassado o prazo estabelecido para seu funcionamento.

Lira recorreu, assim, a uma filigrana formal para golpear as propostas. Se houvesse boa vontade, bastaria mobilizar os líderes para prorrogar o prazo. Em política, havendo compromisso com boas ideias, é sempre possível solucionar problemas simples como esse.

Fica a impressão de que o presidente da Câmara atendeu a demandas do Ministério da Economia, que desde o início, em várias ocasiões, não demonstrou simpatia pelas PECs 45 e 110. O ministro Paulo Guedes preferia uma reforma para chamar de sua. Defendeu a criação de um IVA federal ao qual adeririam os estados que estivessem interessados. Ocorre que uma reforma como essa somente funciona em uma federação se todos os seus membros – União, estados e municípios – participarem de uma só vez, em um único bloco. Trata-se, pois, de grosso erro técnico.

Depois, propôs uma barbaridade, isto é, a recriação da CPMF com outro nome. Em seguida, falou na transformação do IPI em um imposto seletivo, o que já consta do relatório do deputado Ribeiro. Por último, propôs uma reforma tímida e incompleta, qual seja, a fusão do PIS e da Cofins sob uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Lira tem defendido essa proposta, um sinal de que não nutre apoio às PECs 45 e 110.

Parlamentares da comissão e o presidente do Senado reagiram mal ao golpe e se manifestaram contrários à extinção. Espera-se que consigam salvar o relatório e os quase dois anos de árduo trabalho em prol da reforma, crucial não apenas para simplificar o sistema de tributação do consumo, mas também devolver ao país a racionalidade nessa área.

 

https://veja.abril.com.br/blog/mailson-da-nobrega/o-duro-golpe-na-melhor-proposta-de-reforma-tributaria/

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