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21 de mar de 2012 , 21h18

Na “guerra dos portos”, um dispendioso tiro n’água

Diagnósticos equivocados costumam resultar na prescrição errada do remédio e provocar efeitos colaterais indesejáveis. Esse é o típico caso da decisão do governo de lutar pelo que entende ser a “guerra dos portos”. A ideia, defendida por lideranças da indústrias e apoiada pelo Ministério da Fazenda, é eliminar os incentivos fiscais do ICMS criados por alguns Estados para importações por seu território, inclusive via portos secos (caso de Tocantins). A medida está na proposta de Resolução 72, do Senado.

Intuitivamente, faz sentido. Se os Estados barateiam o valor da importação, diz-se, o produto entrará no país em competição desleal com a indústria brasileira. Assim, o incentivo equivaleria a uma valorização cambial e contribuiria para a desindustrialização do país. Será?

Um exame mais detido da questão dirá que a medida em estudo pode acarretar novos problemas sem resolver aquele que se imagina existir. A grande maioria dos bens importados com tais incentivos é constituída de matérias-primas, partes, peças e componentes. Tudo indica que a indústria que os importa recorre ao benefício diante da necessidade de mudar sua cadeia de suprimentos. É uma forma de lidar com a perda alarmante de sua competitividade, provocada por problemas estruturais graves (que todos conhecem e não precisam ser aqui comentados). Ou mudam, comprando mais barato, ou não preservam o mínimo de competitividade. Ou mudam ou podem morrer.

A decisão das empresas está dissociada, pois, da guerra fiscal. Ela buscará o benefício se o incentivo fiscal superar o custo adicional de transporte (considerado o porto pelo qual importaria naturalmente). Isso posto, a vantagem não é o crédito presumido do ICMS, como vem afirmando o governo, mas o diferencial entre o benefício e o custo adicional de transporte. Está equivocado, assim, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, que ontem no Senado considerou apenas o ganho fiscal para calcular que o incentivo reduz a taxa de câmbio, de R$ 1,80 para R$ 1,64 por dólar.

Ao contrário do que diz o lobby favorável à medida e o próprio governo, a mudança da alíquota interestadual do ICMS pode ter efeito nulo ou muito pequeno nas importações. Um caso interessante, as turbinas para hidroelétricas da região Norte estão sendo importadas pelo Estado de Tocantins, com alíquota de apenas 1% de ICMS. Alguém imagina que elas deixarão de ser importadas com a medida do governo? Se o incentivo acabar e o produto nacional ficar mais caro, as empresas continuarão importando.

Se aprovada, a medida terá quatro efeitos colaterais negativos:

1) o governo terá que compensar os Estados pela perda de arrecadação. Segundo se vê na imprensa, o Espírito Santo perderia cerca de R$ 2 bilhões anuais, quase um terço de sua arrecadação; em Santa Catarina, a perda seria de R$ 1 bilhão. E por aí vai;

2) provavelmente o governo terá que se comprometer a criar um fundo de desenvolvimento regional para compensar a perda do instrumento de atração de investimentos pelos Estados. Quanto será o valor desse fundo? Alguns Estados reivindicam que seja de pelo menos R$ 20 bilhões. Qualquer que seja o valor, mesmo que instituído, deixará descontentamentos;

3) sem a segurança de que serão compensados, os Estados provavelmente conseguirão que seus senadores votem contra a medida, mesmo que pertencentes à base parlamentar do governo. Isso contribuirá negativamente para a coesão dessa base;

4) as importações incentivadas representam cerca de 25% do total. O fim do incentivo deslocará as mercadorias para outros portos, particularmente o de Santos, que já está congestionado. Haverá uma piora na logística, que impactará custos das empresas e reduzirá a competitividade das que exportam.

A guerra fiscal precisa acabar, particularmente porque usa instrumento pouco apropriado, isto é, um imposto sobre o consumo, e porque gera distorções alocativas que conspiram contra a produtividade e o potencial de crescimento. Mas isso não pode ser feito de forma tópica, atabalhoadamente, sob pressão de grupos de interessse, ainda que parte destes tenha razão. É preferível tratar a matéria no contexto de uma reforma tributária digna desse nome. A propósito, a medida do governo em nada contribui para reduzir o manicômio tributário, pois focaliza um aspecto lateral e menos importante, qual seja o das relações federativas e não o da irracionalidade atual do ICMS.

É preciso serenidade, liderança e conhecimento adequado das consequências das medidas, principalmente de seus efeitos colaterais. Não é, infelizmente, o que se vê na ação do governo e na pressão para aprovar a mal estudada Resolução 72 do Senado.

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