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29 de abr de 2020 , 11h56

Mortes pela Covid-19: a culpa tende a ir para Bolsonaro

Quando passar a pandemia, restará o desemprego; a Covid-19 e os governadores terão ficado para trás; a culpa deverá ser atribuída ao presidente

“Vocês não vão botar no meu colo essa conta”, disse hoje o presidente Jair Bolsonaro ao referir-se às mortes pela Covid-19. Ele lembrou que as medidas restritivas (quarentena) foram adotadas pelos governadores, ou seja, a população deve culpá-los pelos efeitos da pandemia na saúde e na economia.

Transferir culpa a outros atores governamentais é assunto conhecido da ciência política. São raros os chefes de governo que conseguiram imputar a outras esferas a responsabilidade por dificuldades do eleitorado. Bolsonaro está na situação do azarado que preside o país em momento de crise para a qual não contribuiu. A culpa será dele.

Esse foi o caso do presidente João Figueiredo, que assumiu o poder em 1979 quando declinavam fortemente os anos dourados do regime militar. Ele sofreu os efeitos do esgotamento do ciclo de crescimento acelerado da economia, cujo auge havia ocorrido no período 1968-1973.

Além disso, a economia foi atingida por dois vendavais: a segunda crise do petróleo (1979) e a crise da dívida externa (1982). Por isso, o PIB caiu em 1981 e 1983, na pior recessão até então. Ninguém culpou os governos anteriores pelas desventuras. Figueiredo tornou-se o general-presidente mais impopular do regime militar.

Há também os felizardos, caso de Lula. Ele assumiu em 2003, quando se iniciou o super-ciclo de alta dos preços de commodities. Os fortes ganhos de comércio permitiram a aceleração do crescimento da economia e do emprego, aumentando a arrecadação tributária. Isso viabilizou a ampliação dos programas sociais, particularmente o Bolsa Família. Ninguém atribuiu a popularidade de Lula à China, que se tornara a principal parceira do Brasil no comércio de alimentos e matérias-primas de origem rural. Lula ganhou sozinho os louros de uma situação para a qual pouco contribuíra.

O eleitor brasileiro costuma atribuir seu bem-estar ou suas dificuldades ao governo federal. Isso é parte da cultura nacional, o que está presente particularmente nas classes menos favorecidas, as quais têm baixo acesso à informação e nem sempre conseguem associar efeitos a causas.

O custo da pandemia, neste momento, é representado essencialmente pelas mortes. O desemprego já começou a crescer, mas as medidas do governo para beneficiar as classes menos favorecidas devem mitigar o problema. Os beneficiários são os que não conseguem trabalhar. Bolsonaro pode estar beneficiando-se disso, pois é muito provável que os informais beneficiados pelos R$ 600,00 mensais atribuam o benefício ao presidente.

Passada a pandemia, restarão suas consequências. A pior, para a população, será o aumento do desemprego. Cálculos preliminares indicam que o contingente adicional de desempregados pode alcançar 4 milhões de pessoas. Elas vão se lembrar, então, do presidente, como é natural, e não dos governadores, pois a Covid-19 terá ficado para trás. A conta tenderá a cair, sim, no colo de Bolsonaro.

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