Moeda única na América Latina não passa de sonho
A região não reúne os precedentes históricos nem as condições históricas, institucionais e políticas que resultaram na criação da moeda única europeia
Lula e Paulo Guedes têm-se manifestado favoravelmente à criação de uma moeda única na América Latina, na União Europeia. Lula mencionou o tema nesta segunda-feira, 2. Trata-se de objetivo sem a menor condição de tornar-se realidade em futuro previsível. Experiências anteriores fracassaram. O sucesso do euro se deve a condições particulares da Europa, não existentes na América Latina ou mesmo no universo menor do Mercosul.
O euro constituiu uma das etapas do longo processo de integração econômica da União Europeia, iniciado com a criação da Comunidade do Carvão e do Aço (1951), que foi constituída por seis países: França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. O Tratado de Roma (1957), assinado pelos mesmos países, estabeleceu a Comunidade Econômica Europeia – CEE, que foi expandida com a adesão do Reino Unido, de Portugal e da Espanha. Após o colapso da União Soviética (1991), países do leste europeu foram admitidos. O grupo atingiu 28 membros e foi reduzido a 27 com a saída do Reino Unido em janeiro de 2020. O Tratado de Maastricht (1993) transformou a CEE em União Europeia (EU) e criou as normas para o advento da moeda única, o euro, introduzido no dia 1º de janeiro de 1999.
Foram necessários, portanto, 48 anos e longos processos de negociação para que a moeda única europeia nascesse. A ideia começou a ser discutida logo após o fim da II Guerra, o que incluiu uma proposta de Winston Churchill para a criação dos Estados Unidos da Europa. Por trás de tudo isso, esteve a ideia de que os longos séculos de guerra entre os países europeus, incluindo as duas sangrentas Grandes Guerras, poderiam terminar se todos aderissem à integração econômica, que levaria à democracia e ao enriquecimento europeus. No caso da Espanha, a adesão à UE afastaria o fantasma da guerra civil, que foi visto como uma ameaça após a morte de Franco (1975).
A moeda única exigiu a harmonização de políticas públicas e a criação do Banco Central Europeu (1998). O ingresso no grupo era condicionado à adoção do sistema de tributação do consumo pelo método do valor agregado (IVA). De Bruxelas, sede da EU, nascem e se irradiam normas que vão desde questões fiscais e tributárias, até as relativas a pesos e medidas. O Reino Unido foi obrigado a adotar o sistema métrico decimal.
Ora, o Brasil, que deveria ser um dos principais líderes do processo, não reúne as condições sequer de aprovar o seu IVA, que teve chances únicas de acontecer com as PECs 45 e 110. A Argentina não consegue livrar-se de seu longo calvário inflacionário. Como imaginar, então, que seria possível mobilizar países tão distintos da América Latina em torno de um projeto complexo como o que resultou na União Europeia? Não há a mínima chance de isso acontecer nas próximas décadas, talvez nunca.
Defender a criação de uma moeda única na América Latina ou mesmo apenas no Mercosul revela um grande desconhecimento das condições históricas que estiveram presentes no estabelecimento do euro.
Por Maílson da Nóbrega Atualizado em 3 Maio 2022, 18h26 – Publicado em 3 Maio 2022, 16h02
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