Mitos sobre a Previdência continuam vivos e perigosos
Os mitos sobre a Previdência contribuíram para a perda da batalha da comunicação sobre o tema no governo Temer. Dois deles continuam ativos, animando sindicalistas e políticos. O governo Bolsonaro precisa ficar atento.
Pelo primeiro mito, a reforma precisa ser mais branda com os trabalhadores do Nordeste, onde a expectativa de vida ao nascer é de 69 anos (76 anos no país como um todo). Estão nesse campo o deputado federal Paulinho da Força, que recentemente externou tal demanda. Incrivelmente, o próprio Bolsonaro disse que não se poderia prejudicar os piauienses, cuja idade de aposentadoria deveria ser mais baixa.
O erro desse tipo de raciocínio, já muitas vezes exposto pelos que acompanham o assunto, está na confusão entre expectativa de vida ao nascer e expectativa de vida condicionada, isto é, quanto tempo o brasileiro vive depois dos 65 anos, também chamado de sobrevida.
A sobrevida é o período relevante para os gastos previdenciários, pois compreende o tempo de usufruto dos benefícios previdenciários. Ela não difere quase nada em termos regionais. A sobrevida dos piauienses, segundo o IBGE, é de 19,55 anos, perdendo apenas para Roraima (19,38 anos). No outro extremo, a sobrevida dos trabalhadores do Espírito Santo é de 23,66, seguido dos que habitam em Santa Catarina (23,29 anos). Na média, os brasileiros vivem 22 anos depois que se aposentam. No Nordeste, também na média, não é muito diferente (21 anos), ou seja, apenas um ano.
A mesma diferença na expectativa de vida é de sete anos. Isso se explica pela mortalidade infantil e por mortes violentas de jovens, que são mais altas no Nordeste e puxam para baixo esse indicador. Assim, não se pode afirmar que a reforma da Previdência é prejudicial aos que vivem nas regiões menos desenvolvidas ao estabelecer uma idade uniforme para aposentadoria de homens (65 anos) e de mulheres (62 anos).
O segundo mito assinala que não há déficit na Previdência, que segundo as estatísticas oficiais alcançou R$ 306 bilhões em 2018, considerando todos os regimes previdenciários: INSS, servidores públicos das três esferas de governo e militares, e o Benefício de Prestação Continuada. Diz-se que basta cobrar os créditos tributários inscritos na dívida ativa da União, que passa dos R$ 400 bilhões.
Há dois problemas nesse raciocínio. O primeiro é considerar que todos esses créditos são passíveis de cobrança, o que não é o caso. A maioria diz respeito a empresas extintas, como a Varig e a Transbrasil. O segundo é confundir fluxo com estoque. O déficit da Previdência é um fluxo que acontece todos os anos e de forma crescente. A dívida ativa é um estoque, que seria cobrado apenas uma vez. O raciocínio somente faria sentido se a cada ano se acumulasse um novo e igual estoque de dívida, o que é impossível.
A vitória na batalha de comunicação será crucial para a aprovação da reforma. O governo precisa preparar-se para desmoralizar os mitos.