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30 de set de 2021 , 11h07

Lira entra na demagogia sobre o ICMS nos combustíveis

Os estados não têm culpa pelo aumento da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. Mudar a regra de tributação dos combustíveis não é simples

Em declaração na quarta-feira, 29, o presidente da Câmara, Arthur Lira, secundou o presidente Jair Bolsonaro no ataque aos governadores, que seriam os culpados pelos aumentos dos preços dos combustíveis. “Sabe o que faz o combustível ficar caro?”, perguntou Lira. Ele próprio respondeu: “São os impostos estaduais. Os governadores têm de se sensibilizar”.

O ICMS não é a origem do problema. Ele resulta da combinação de alta dos preços do petróleo nos mercados internacionais (mais de 80 dólares), com a desvalorização do real. O aumento do petróleo tem a ver com a elevação da demanda mundial. A desvalorização da nossa moeda foi impactada por dois riscos: o fiscal, decorrente das dificuldades orçamentárias; e o político, resultante da instabilidade causada por Bolsonaro.

O ICMS dos combustíveis é cobrado “ad valorem”, isto é, sobre o preço de venda final. Quando ele varia para cima, como agora, os estados arrecadam mais; quando desce, a receita estadual cai. É assim em todas as incidências desse tributo. No caso do petróleo, como vimos, há o efeito dos mercados internacionais. É o que ocorre com a soja, cujos preços internos dependem de sua cotação internacional. Pelo raciocínio de Lira e Bolsonaro, os estados seriam os culpados pelos aumentos recentes do óleo de soja.

No passado, os estados contribuíram para aumentar os preços dos combustíveis. Isso aconteceu depois que a Constituição de 1988 atribuiu a eles o poder de alterar as alíquotas do ICMS. O certo, como se observa em mais de 180 países que adotam a tributação sobre o valor agregado (caso do ICMS), é ter uma alíquota única. Aqui, cada estado aproveitou para elevar as alíquotas do ICMS, criando uma barafunda tributária. Não é o caso agora. Não se sabe de nenhum aumento do ICMS sobre combustíveis por estes dias.

A Emenda Constitucional 33, de 2001, estabeleceu que o ICMS seria cobrado de forma uniforme em todo território nacional, permitindo a cobrança “ad rem” (um valor fixo) ou “ad valorem”. É uma boa medida, mas a matéria não foi regulamentada. Fazer isso hoje soa como ação política para transferir culpa aos governadores, como vem fazendo Bolsonaro, agora com o apoio de Lira.

Como aponta o economista Bernard Apy, “o grande problema é como calibrar a alíquota “ad rem”, pois a tributação de combustíveis é muito diferente entre os estados. Se calibrar pela média, o preço dos combustíveis irá subir em alguns e cair em outros. Se calibrar por baixo, haverá uma redução relevante de receita para o conjunto dos estados”. Não é tão fácil como pensam Lira e Bolsonaro.

Finalmente, a queda de receita dos estados, em momento de crise, poderia levar os governadores (e prefeitos, que ficam com 25% da receita do ICMS) a se mobilizarem contra a mudança. No Senado, que representa os estados, a reação contrária poderia ser ainda maior. Uma eventual derrota constituiria mais um desgaste para Bolsonaro.

É isso no que dá falar antes de pensar.

 

https://veja.abril.com.br/blog/mailson-da-nobrega/lira-entra-na-demagogia-sobre-o-icms-nos-combustiveis/

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