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3 de jul de 2023 , 21h04

Em defesa da reforma tributária

O Brasil está diante da oportunidade de possuir um dos mais modernos sistemas de tributação de consumo, alinhado aos melhores do mundo. A proposta de reforma tributária, prestes a ser votada na Câmara, aproveita os avanços de quase sete décadas na implementação do imposto sobre o valor agregado (IVA).

Nos últimos dias, observou-se um crescendo de resistências à reforma, que inclui até a reclamação de pressa na condução do projeto, embora ele esteja sob discussão naquela Casa há cerca de quatro anos. Não há como saber se esse movimento deriva de desconhecimento de seus termos, de interpretação equivocada de seus propósitos ou de pura e simples má-fé.

Comecemos pela reação a uma suposta derrogação da autonomia dos estados e municípios, que perderiam o poder – visto como inerente ao federalismo – para gerir suas próprias receitas. Na verdade, essa é a norma em todas as federações que adotam o IVA. O modelo, como se sabe, exige regras uniformes em todo o território nacional, o que não será viável se os governos subnacionais mantiverem o poder de estabelecer normas tributárias. A uniformidade prevalece na grande maioria dos 174 países que adotam o modelo. O dilema autonomia versus reforma esteve presente em outros lugares, mas a decisão final pendeu sempre para a reforma, privilegiando-se o ideal da prosperidade. A Alemanha – uma das federações mais fortes do planeta – optou pela prosperidade quando criou o seu IVA, em 1980. Seus estados não têm o poder de alterar regras do IVA, como aqui se reivindica.

Para eliminar a funesta guerra fiscal, a PEC 45 prevê a proibição de uso do imposto para a concessão de incentivos fiscais. Diz-se, entretanto, que essa guerra continuará com a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional. Ignora-se que regras para atrair investimentos existem em todo o mundo, inclusive em muitos estados americanos. A diferença é o uso do instrumento. Aqui se recorre a isenções tributárias; nos EUA, a ação é feita via Orçamento, mediante a concessão de grants (subvenções em dinheiro) para reduzir o custo do investimento. O modelo tem vantagens e pode vir a ser adotado por nossos estados e municípios. Utilizar o Orçamento gera transparência, permitindo o monitoramento da respectiva despesa pelo sistema político e pela sociedade. Evita-se o benefício tributário eterno que se vê no Brasil.

Diferentemente do que muitos defendem, o atual sistema dificilmente pode ser melhorado por legislação infraconstitucional. Os estados costumam infringir a legislação para conceder incentivos fiscais, mesmo quando a prática é vedada pela Constituição. Preservar o sistema atual de tributação do consumo seria perpetuar sua contribuição para atual armadilha do baixo crescimento. O Brasil manteria a cobrança separada na tributação de bens e serviços, prática abandonada em todo o mundo, em favor da simplicidade, da eficiência e do combate à má alocação de recursos.

Condena-se o aumento da carga tributária sobre serviços, com apoio na ideia de que são setores altamente empregadores de mão de obra. Se fosse assim, poder-se-ia reivindicar a total imunidade tributária do setor, o que geraria ainda mais empregos. No fundo, defende-se o privilégio que, por razões históricas, foi concedido aos ricos na reforma tributária de 1965. Os segmentos mais abastados – os maiores consumidores de serviços – continuariam a pagar o imposto à alíquota de 5%, menos de um terço da alíquota aplicada no consumo de bens dos segmentos menos favorecidos (18%). Esse tratamento contribui para a vergonhosa desigualdade de renda que tem prevalecido no país.

Esse escândalo, nem sempre percebido, precisa ser eliminado, ainda que a longo prazo. A regra leva empresas a se organizarem para se enquadrar nas alíquotas mais baixas e não para aumentar sua eficiência e produtividade. Estudos mostram que a reforma não vai alterar os lucros de pessoas jurídicas do setor de serviços, eis que se beneficiarão do crédito gerado nas etapas anteriores. Adicionalmente, as empresas ganharão, como de resto todos os segmentos, com a elevação do potencial de crescimento da economia proporcionado pela reforma.

Outro ponto questionado pelos opositores da reforma diz que um dos seus pontos altos – a não cumulatividade – é um retrocesso. Difícil entender. Afirma-se que a reforma teria o propósito de permitir à União abocanhar a crescente base tributária dos serviços para compensar o encolhimento da base industrial. Não acredito que os autores dos estudos que resultaram na PEC 45 – nenhum deles em cargos públicos à época – tenham tido a ideia maligna de beneficiar a União, em detrimento de estados e municípios.

Alguns governadores se opõem à criação do Conselho Federativo, que centralizará a arrecadação. A norma existe na maioria dos países que adotam o IVA, sendo parte fundamental da reforma, pois permitirá o cumprimento da promessa de se manter a participação de cada ente federado no bolo da tributação do consumo durante vinte anos. Isso foi fundamental para angariar o apoio federativo de que goza a PEC 45. Além disso, a centralização exercerá o papel crucial de devolver rapidamente créditos acumulados, em especial nas exportações, o que hoje pode levar um ano ou mais. A União não participará desse órgão federativo.

Ataca-se o regime de cashback previsto na reforma, pelo qual a desoneração da cesta básica beneficiará somente os segmentos mais pobres da sociedade. O critério atual, o da desoneração da cesta básica, beneficia também – às vezes mais – as classes ricas, que consomem os mesmos itens. Argumenta-se que o modelo exigirá estruturas burocráticas gigantescas e estará sujeito a fraudes. Na verdade, o cashback já é adotado com sucesso no Uruguai, na Colômbia e em outros países. No Brasil, vigora no Rio Grande do Sul, onde, segundo a secretária de Fazenda gaúcha, “não há qualquer complexidade que os recursos tecnológicos existentes não deem conta do recado”.

O apoio à PEC 45 é fundamental para o Brasil. A reforma legará um país mais competitivo, socialmente mais justo e com maior potencial de geração de emprego, renda e riqueza.

https://veja.abril.com.br/coluna/mailson-da-nobrega/em-defesa-da-reforma-tributaria/

 

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