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20 de maio de 2012 , 20h58

Discurso na festa de meus 70 anos

Neste sábado 19/5/2012 comemorei com amigos e familiares os meus 70 anos. Pronuncei na ocasião um discurso de 15 minutos, no qual fiz um breve retrospecto de minha trajetória e da evolução do Brasil.

O BRASIL DEU CERTO

Maílson da Nóbrega

Discurso na festa de comemoração de seus setenta anos

São Paulo, 19 de maio de 2012

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Meus filhos, minhas noras, meus netos, minhas netas, minha esposa Rosa, minha ex-esposa Rosinha, que não pôde estar aqui. Meus muitos amigos de São Paulo e do Brasil. Agradeço o imenso carinho e o apoio de todos vocês. Sou muito feliz por tê-los ao meu lado nesta noite.
Muitos brasileiros já podem, como eu, comemorar os setenta anos. Esta é uma das muitas conquistas do país. Mas nem todos atingem essa idade cercados de tantos familiares e amigos. Esta é uma dádiva que a vida me concedeu. Menor ainda é o número dos que chegam nesse ponto em pleno vigor físico e mental. Esta é uma conquista pessoal.
É por isso que vou demorar muito a me aposentar. Pretendo continuar ativo ainda por muitos anos. Como afirmei em minha biografia, meu plano é trabalhar até os noventa anos. E descansar os quinze restantes.
Sou mesmo um privilegiado, por muitas razões. A vida sempre me trouxe sorte e oportunidades. E sempre procurei estar pronto para aproveitá-las, empenhando-me em estudar. Aos dez anos, na cidadezinha paraibana onde nasci, comecei a trabalhar. Com apoio e esforço dos meus pais – um alfaiate e uma costureira – fui morar sozinho em João Pessoa, aos doze anos. O Brasil também começava a deixar o campo. Fui trabalhar em Cajazeiras, interior da Paraíba, depois de passar no concurso para o Banco do Brasil, que eu ajudaria a mudar, anos mais tarde. O Brasil também tinha muito a ser aperfeiçoado.
Lufadas de sorte e dedicação me levaram ao Rio de Janeiro. De lá, mudei para Brasília, quando a nova capital ainda se consolidava. Minha carreira se acelerou. Virei ministro da Fazenda, em um período dos mais difíceis do Brasil. E em 1990 vim para São Paulo.
Privilégios foram muitos – e não incluem favores do governo. Um dos maiores foi ter vivenciado o período de maior transformação do Brasil. E ter contribuído para a construção da nova e promissora realidade institucional do país.
É minha trajetória que me permite afirmar, ousadamente: o Brasil deu certo. Dar certo não é garantia de que vamos integrar o grupo dos países ricos. Significa que construímos a plataforma que nos permite decolar. O voo e sua altura dependerão de prepararmos as condições para crescer e prosperar
A ideia não é nova. Ela está no título de um de meus livros, de sete anos atrás: “O Futuro Chegou”. Foi o que conclui ao examinar a evolução institucional de países desenvolvidos e do Brasil. Mostrei que já temos as instituições básicas para avançar e progredir. Instituições, na definição de Douglass North, prêmio Nobel de Economia, são as regras do jogo, formais e informais. Elas alinham incentivos para a atividade de empreender, inovar, assumir riscos.
As novas instituições brasileiras não são produto de um líder, de um grupo, de um governo ou de um partido político. Elas se formaram ao longo de muitos anos, de forma incremental, em distintos governos.
Com elas, cruzamos uma linha divisória, da qual dificilmente retrocederemos. Ainda assim, crises podem ameaçar essas conquistas. A inflação pode vir a nos assombrar. Felizmente, mecanismos institucionais contribuem para restabelecer o equilíbrio e para preservar as conquistas da estabilidade política e econômica.
São muitas as instituições e crenças do novo Brasil. Eu destaco cinco essenciais:
1) Democracia. Mesmo com defeitos, a democracia se tornou um valor fundamental da sociedade. Deixou de ser uma planta frágil. Desenvolveu raízes profundas. O desafio é radicalizá-la com reformas.
2) Judiciário independente. Suas deficiências são conhecidas, mas sua independência é irrefutável.
3) Imprensa livre e independente. Essa conquista equipara-se à da democracia. Somente uma minoria de mente autoritária imagina submetê-la ao chamado “controle social”. A crítica é exercida ampla e livremente. As ideias fluem. A imprensa é vigilante. Não tem medo de denunciar.
4) Sociedade intolerante à inflação. Os poucos que ainda acreditam que a inflação contribui para o desenvolvimento não têm coragem de defender publicamente essa mentira.
5) Disciplina de mercado. O governo precisa pensar muito antes de adotar medidas. Precisa avaliar a reação dos agentes econômicos. As novas instituições transformaram incertezas em riscos, que os mercados sabem avaliar e precificar. Mercados sofisticados constituem poderoso aliado dos eleitores no julgamento de maus governos.
Há uma nova conquista em gestação. Já nos indignamos com a corrupção. A imprensa tem exercido papel decisivo. A tecnologia escancara desvios de conduta. A corrupção não foi extinta em nenhum lugar, mas diminuiu muito nos países que podem detectá-la, investigá-la e punir os faltosos. E isso em parte já começa a acontecer no Brasil. Falta ainda colocar os corruptos na cadeia. Sem privilégios.
O Brasil é agora previsível e transparente. Podemos identificar e corrigir erros. Somos agora menos suscetíveis de acumular distorções geradoras de crises.
O cientista político nipo-americano Francis Fukuyama escreveu recentemente uma obra monumental, em que analisa a evolução da ordem política desde a Antiguidade. Um de seus mais importantes insights é o de que os países que se tornaram prósperos e continuaram prósperos são aqueles que, como a Inglaterra do século XVII, construíram três bases fundamentais, que formam uma “ordem política virtuosa”: Estado forte (no sentido institucional), Estado de Direito (as instituições que garantem o direito de propriedade e o respeito aos contratos) e accountability, isto é, a prestação de contas do governo à sociedade; a justificação de suas escolhas; a responsabilização social e política pelo exercício de cargos públicos e pelo uso dos recursos dos contribuintes; e a submissão periódica ao voto popular. A nova lei de acesso à informação, que entrou em vigor esta semana, vai reforçar o ambiente de accountability.
Ainda falta muito para nos igualarmos aos países maduros e ricos, mas a democracia, o Judiciário independente, a imprensa livre e as eleições frequentes nos dizem que estamos no caminho daquela “ordem política virtuosa”.

Meus amigos, meus familiares,
na trajetória brasileira, muitas vezes a impressão foi de fracasso e o derrotismo nos dominou. Crises trouxeram desânimo. Mas as esperanças renasceram. O otimismo é traço característico dos brasileiros, o meu inclusive. Apesar das crises e dos momentos de desesperança, o Brasil nunca deixou de avançar.
Em “Por que me ufano de meu país”, do início do século XX, o Conde Afonso Celso nos vaticinava um futuro promissor. Seria o resultado da grandeza territorial, da beleza do país, do rio Amazonas, da cachoeira de Paulo Afonso, da floresta virgem, da baía de Guanabara, das riquezas naturais, da ausência de calamidades. Seu ufanismo era ingênuo, como comprovariam a crise do fim da República Velha e os efeitos da Grande Depressão. Ficamos desesperançados.
A Revolução de 1930 acendeu novas esperanças, mas elas foram logo empanadas pelo golpe de 1934 e pela primeira ditadura pós Independência. As instituições plantadas por Getúlio Vargas fortaleceram o Estado e consolidaram a unidade nacional. Nasceram as ideias de uma burocracia profissional. Passos foram dados em prol da industrialização. No front externo, logo depois, participamos da Segunda Guerra. Colaboramos para a formação da ONU e das instituições de Breton Woods. O Brasil parecia ter mudado de patamar. Mas vieram as frustrações dos anos 1950: a incrível derrota para a seleção de futebol do Uruguai e a crise que desaguou no suicídio de Vargas.
Mas os anos 1950 também foram os de Juscelino Kubitschek. Ele mobilizou energias e revigorou o otimismo. A indústria automobilística e de outros bens de consumo duráveis se expandiu. Parecia confirmar-se a procedência da tese da industrialização por substituição de importações, que, como viemos a aprender, não foi assim tão bem sucedida. A construção de Brasília evidenciava nossa capacidade de assumir desafios e ocupar espaços. A Sudene prometia resgatar o Nordeste da pobreza. Mas tudo isso gerou graves desequilíbrios. Novas frustrações vieram nos anos 1960. Nova crise política e econômica parecia dizer que o Brasil não tinha jeito.
O regime militar suprimiu a democracia, mas restabeleceu esperanças na economia. Amplas reformas institucionais nos legaram um sistema tributário moderno, o Banco Central, a Lei de Mercado de Capitais, avançadas regras de comércio exterior, a racionalização do regime aduaneiro, a modernização do serviço público e as bases do que viria a ser um sofisticado sistema financeiro. A infraestrutura de comunicações, transporte e energia se expandiu vigorosamente. Nasceu a Embrapa. Ganhos espetaculares de produtividade nos permitiram crescer a taxas chinesas atuais: 11,1% ao ano entre 1968 e 1973.
A desesperança ressurgiu mais uma vez nos anos 1980. Distorções do modelo de economia fechada se somaram a sucessivas crises externas. A democracia renasceu em 1985 em meio à nossa maior crise econômica. A inflação se agravou. Cinco planos em quatro anos e dois governos fracassaram na tentativa de domá-la. A crise ofuscava os avanços institucionais do período. O Brasil parecia não ter futuro, nem com a ditadura, nem com a democracia.
O otimismo foi novamente reavivado com o Plano Real. A inflação foi derrotada, tudo indica que de uma vez por todas.
A estabilidade de preços acelerou as mudanças. Novos avanços se somaram aos que haviam ocorrido nas finanças públicas na década anterior, incluindo o fim da “conta de movimento” do Banco do Brasil, a reforma do Banco Central, a criação da Secretaria do Tesouro Nacional e a abertura da economia. A lista é enorme: Lei de Responsabilidade Fiscal, privatizações, nova lei de petróleo (recentemente piorada), reestruturação do sistema financeiro, abertura da infraestrutura ao capital estrangeiro, regime de metas para a inflação, câmbio flutuante, superávits primários no setor público, solução para a periclitante dívida de Estados e municípios.
Em 2002, pela primeira vez em mais de cinquenta anos um presidente eleito transmitiu o poder a outro igualmente eleito. Este prometia a ruptura na gestão macroeconômica, amedrontando os mercados. Mas a política econômica foi mantida, demonstrando a maturidade do país e de seus líderes. O Brasil pôde usufruir os efeitos das reformas anteriores e dos ganhos do comércio com a China. Diminuiu drasticamente a vulnerabilidade externa, a fonte de crises passadas. Estávamos preparados para resistir à nova e grave crise mundial.
A pobreza e as desigualdades sociais diminuíram. A classe média se tornou majoritária. Elegemos a primeira mulher para a presidência da República. Uma nova classe empresarial constrói empresas mais eficientes e inovadoras. Em 1945, apenas 5% dos brasileiros podiam votar. Agora são mais de 70%.
O país se destacou aos olhos dos brasileiros e do mundo. Viramos ator global e a sexta maior economia do mundo.
Apesar do quadro animador, é necessário conter o otimismo e não nos deixarmos cegar diante dos riscos. Espalha-se a percepção de que começamos a pagar o preço da quase paralisação das reformas. Os ganhos de produtividade se esgotam. O potencial de crescimento diminui. A indústria passa por alarmante perda de competitividade. O governo se assusta, mas age apenas com medidas pontuais desconectadas, que não formam uma estratégia coerente. Voltam ao palco velhas ideias da época da substituição de importações, do protecionismo e da escolha de vencedores pela burocracia. O voluntarismo impera nas políticas monetária, creditícia e cambial, pondo em risco a estabilidade macroeconômica. As ameaças estão mais aqui do que fora.
Será o prenúncio de mais um fracasso? Voltaremos à instabilidade? Devemos ser pessimistas? A meu ver, não. Apesar de tudo, reafirmo: o Brasil deu certo. Nenhum dos fracassos anteriores eliminou completamente os avanços. A decepção com os rumos atuais não pode obscurecer a nova realidade. O país construiu sólidos alicerces. Temos tudo para resistir a eventuais mudanças dos ventos.
Na trajetória brasileira haverá bons e maus governos; lideranças ineptas e lideranças transformadoras; momentos de crise e de prosperidade; períodos de forte crescimento, de desempenho medíocre e de recessão. Mas ninguém será capaz de impor o retrocesso ou de destruir as nossas conquistas. As instituições estão firmes. Por isso, volto a afirmar:

O Brasil deu certo. Há razões para continuar otimista. Eu continuo.

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