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19 de jul de 2011 , 23h00

A desoneração da folha pode piorar a situação

Essa história de desonerar a folha de salários parece coisa mal estudada, ainda que faça sentido para muita gente. Uma coisa é reduzir os exageros das contribuições sobre a folha de salários, cujo nível dificilmente tem paralelo no mundo. Penduraram na folha, ao longo de décadas, um monte de encargos que pouco ou nada têm a ver com o mundo da Previdência. Outra coisa, bem difrerente, é conseguir isso sem criar problemas colaterais mais graves. Vejamos nove dos muitos argumentos contrários à medida.

Primeiro, não é possível simplesmente eliminar a contribuição patronal ou outras cobradas na folha sem criar algo em seu lugar. Se a Previdência perder a respectiva arrecadação, o déficit do sistema, já grave, vai piorar. As contas públicas se deteriorariam mais. Não há saída pelo corte de despesas, dada a rigidez orçamentária brasileira. O governo está felizmente de acordo com este argumento.

Segundo, a ideia que circula no governo é ruim, isto é, substituir as contribuições por um novo imposto sobre o consumo, principalmente se a nova incidência for em cascata ou penalizar umas atividades mais do que outras. Os bancos seriam um dos alvos. Cobrar mais de bancos é simpático para a opinião pública, mas aumentará a taxa de juros para os tomadores finais. Ao contrário do que muitos pensam, os bancos repassam esses custos para frente, como qualquer empresa que paga tributos, particularmente os que incidem sobre o consumo.

Terceiro, a mudança penalizará proporcionalmente mais as empresas intensivas em tecnologia e beneficiará as intensivas em mão-de-obra. Pode criar sérios desequilíbrios econômicos e retirar a competitividade precisamente dos segmentos que adotam tecnologia mais avançada. Pior para o país.

Quarto, corre-se o risco de o governo cobrar mais do que o necessário para compensar a perda. De propósito ou por medo de errar, o pessoal da Receita tende a colocar uma robusta margem de segurança. Isso aconteceu com a Cofins, quando esta contribuição passou a ser cobrada pelo método do valor agregado. A arrecadação disparou, aumentando a carga tributária.

Quinto, essa ideia de substituir contribuições sobre a folha por um imposto sobre o consumo vem sendo discutida, em distintos períodos de governo, desde os anos 1970. Alguém arrisca dizer por que nunca avançou? Acertou quem disse que são muitos os riscos de uma piora geral, ainda que beneficie alguns segmentos.

Sexto, todos os países cobram a contribuição previdenciária sobre a folha de salários e não via impostos sobre vendas. Na folha, o potencial de sonegação é infinitamente menor do que no consumo. A única alternativa de sonegar na folha é manter os trabalhadores na informalidade, o que é cada vez mais difícil.

Sétimo, não dá para desonerar apenas um setor, a indústria, como parece ser a ideia do governo. Os demais entrarão na Justiça e provavelmente conseguirão a isonomia de tratamento. A margem de segurança calculada pela Receita iria para o brejo. Teria que haver um aumento da alíquota, o que agravaria os problemas da substituição.

Oitavo, até aqui não vi um estudo abalizado do governo mostrando os prós e os contras da proposta. Tudo que vazou até agora parece ter vindo de muitos lados, menos o da Receita Federal. Provavelmente os técnicos da Receita vão levantar argumentos para fulminar a ideia. O risco é o governo passar por cima de tudo e ir avante de forma voluntarista e irresponsável.

Nono, o governo faria melhor se examinasse a eliminação dos penduricalhos que pesam sobre a folha, deixando lá apenas o que faz sentido, isto é, a contribuição dos trabalhadores e empregadores, destinada a financiar a Previdência.

Se estes argumentos forem procedentes, como parece, basta o governo considerar alguns deles para desistir logo da sua idéia.

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