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17 de out de 2020 , 22h02

Corrupção: Bolsonaro usa argumento de governos petistas

 

Argumentos ligeiros para contornar situações indesejadas pelo governo podem virar tiro no pé

Para reagir rapidamente a situações embaraçosas, governos costumam lançar mão de narrativas que consideram razoável, nem sempre com resultados esperados. É o que aconteceu por estes dias com o presidente Jair Bolsonaro.

Como se recorda, ele se vangloriou de ter acabado a Lava-Jato. O motivo teria sido a ausência de corrupção em seu governo. Assumiu um grande risco, pois esse é o tipo de declaração que um líder político não deve fazer. O risco é aparecer um caso inesperado de desvio de recursos públicos.

Pois foi exatamente o que aconteceu dias depois com a descoberta, pela Polícia Federal (PF), de dinheiro – reais e dólares – na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM, RR). O senador, próximo do presidente dos tempos em que ambos eram deputados federais, havia sido recentemente guindado ao cargo de vice-líder do governo no Senado.

Bolsonaro agiu rapidamente com o que lhe pareceu um argumento certeiro: no seu governo, combate-se a corrupção não importa quem a cometa. Manifestou-se orgulhoso do trabalho do Ministério da Justiça e da “minha” PF. É como se a ação de busca e apreensão na casa do senador tenha decorrido de uma ordem presidencial. Dificilmente terá sido o caso, pois as investigações da PF são realizadas de forma autônoma. A PF é órgão de Estado, não de governo. Seria muito ruim se fosse como sugeriu o presidente.

Ocorre que o mesmo argumento foi utilizado pela presidente Dilma Rousseff, que assinalou sua determinação no combate à corrupção via ações da mesma PF. Na verdade, os governos petistas teriam mais a ostentar nesse campo. Foi no seu período que vieram a ser aprovadas as leis que regularam a colaboração premiada e os acordos de leniência. Essa legislação foi fundamental para o avanço das investigações da Lava-Jato, a cargo da PF e do Ministério Público, as quais resultaram na condenação de políticos e empresários, sem paralelo na nossa história.

Pois é. Argumentos ligeiros para contornar situações indesejadas pelo governo podem virar tiro no pé. É possível que apoiadores de Bolsonaro, como deverá ser o caso do chamado bolsonarismo-raiz, comprarão seu argumento e não notarão que o presidente repete o que disseram governos os petistas. Mas isso não ocorrerá necessariamente com os grupos mais informados da sociedade.

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