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20 de fev de 2011 , 23h37

Como entender o ceticismo sobre o ajuste fiscal

Sem exceção, todos os analistas consideram positiva a decisão da presidente Dilma de autorizar um corte de gastos de R$ 50 bilhões. Na campanha eleitoral, ela negava a necessidade do ajuste. Foi uma corajosa mudança. Ao mesmo tempo, duvida-se da capacidade do seu governo de cumprir a meta. Em 1997, viveu-se situação semelhante, quando do anúncio das 51 medidas para enfrentar os efeitos da Crise Asiática (logo apelidadas jocosamente de “Pacote 51, uma boa ideia”). Naquela época, julgou-se o conjunto insuficiente. Agora não se acredita nos cortes prometidos.

A meu ver, a contradição atual se explica por dois motivos. Primeiro, o ministro da Fazenda encarregado de executar o programa de cortes é o mesmo que permitiu a expansão imoderada dos gastos nos últimos dois anos, particularmente durante o período eleitoral. Segundo, o ministro e seus auxiliares mais imediatos – o secretário executivo e o secretário do Tesouro Nacional – desconsideravam as críticas sobre a expansão fiscal. Alegavam que gastos públicos não causam inflação. Como esperar cortes de quem não acredita na medida?

Essa pergunta é mais relevante quando se considera que a realização do ajuste depende fundamentalmente da capacidade de resistir a pressões, por parte do ministro e daqueles seus auxiliares. Cabe lembrar que cortes de gastos no Brasil não são realizados mediante a revisão do Orçamento pelo Congresso, ao contrário do que aconteceu recentemente no Reino Unido, na Grécia, na Irlanda, em Portugal e na Espanha, onde os parlamentos aprovaram uma nova peça orçamentária. Por exemplo, uma dotação de um bilhão de euros é reduzida, digamos, para quinhentos milhões de euros. No Brasil, o Ministério do Planejamento prepara e o (a) chefe do governo aprova um “decreto de programação”, que estabelece limites para liberação das dotações orçamentárias. Assim, por exemplo, em uma dotação de um bilhão de reais o Tesouro somente liberará a metade. Adicionalmente, o Tesouro restringe liberações mediante o que se denomina “controle na boca do caixa”. Tudo isso gera distorções, mas costuma ser eficaz para seus objetivos, caso as autoridades não cedam a pressões. Os Ministérios e outros órgãos beneficiários das dotações sabem que elas continuam no Orçamento pelo mesmo valor. Basta descontingenciá-las e o dinheiro fluirá.

Um outro exemplo da era FHC foi o ajuste de 1998, que se seguiu à Crise Russa e ao acordo com o FMI. O governo divulgou um programa de ajuste fiscal com detalhes críveis. O ministro da Fazenda era Pedro Malan. Na secretaria executiva estava Amaury Bier e na Secretaria do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. Os três acreditavam no papel do ajuste e se declaravam adeptos de sua realização. A credibilidade do programa se firmou.

Mantega e equipe podem vir a cumprir a meta que a presidente lhes determinou. Já fazem declarações sobre sua necessidade, o que é uma mudança importante. É preciso conceder-lhes o benefício da dúvida, mas eles têm que provar sua capacidade de resistir a pressões e de apresentar um detalhamento minimamente crível das medidas e de sua execução. Esperemos.

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