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23 de dez de 2020 , 16h05

Cabe desdenhar da ciência e da saúde?

Bem-estar e expectativa de vida são inegociáveis

O presidente Jair Bolsonaro tem feito declarações chocantes, mas uma delas, dita e repetida, é imbatível: “todos nós iremos morrer um dia”. Ele reagia à recomendação de manter o distanciamento social, usar máscaras e evitar aglomerações. São “maricas”, disse, os que não têm a coragem de expor-se ao novo coronavirus.

Esses três pontos constituem legados da Gripe Espanhola, que vitimou entre cinquenta e cem milhões de pessoas entre 1918 e 1919. É o que relata John M. Barry no livro A Grande Gripe. Se a absurda visão de Bolsonaro valesse, equivaleria a desdenhar dos avanços do uso da ciência na saúde nos últimos séculos.

A saúde ganhou muito com a Revolução Cientifica iniciada no século XVI. Como já assinalei neste espaço, citando Joel Mokyr (The Gifts of Athena), “os novos conceitos de doença e a expansão concomitante da ciência e da economia do lar provocaram transformações tão espetaculares e profundas quanto as resultantes da Revolução Industrial”.

Saíram de cena diagnósticos que associavam doenças a emanações de vapores tóxicos provenientes de materiais orgânicos em decomposição. Ficaram para trás o uso de chás de ervas, o recurso a benzedeiras e até o apelo à Providência Divina como meios para obter a cura e espantar maus olhados. A sangria foi abandonada como procedimento para enfrentar distúrbios do corpo.

Em 1796, o médico britânico Edward Jenner criou a primeira vacina, destinada à proteção do ser humano contra a varíola. Muitas outras surgiram desde então, culminando agora com os diferentes imunizantes contra a Covid-19, os quais, graças aos avanços da ciência e da tecnologia, foram desenvolvidos no prazo recorde de menos de um ano. Outras conquistas haviam acontecido em épocas distintas.

No século XIX, estudos de Louis Pasteur deram origem à teoria dos germes, mais conhecida como teoria microbiana das doenças. Ela estabeleceu que os micro-organismos são a causa de inúmeras doenças e permitiu o combate eficaz às infecções.

Naquele mesmo século, surgiram os raios X e a anestesia e, com esta, a revolução da cirurgia, a qual passou a ser realizada sem temores e sem dor. Os avanços continuaram no século XX com os antibióticos. A Unidade de Terapia Intensiva (UTI), resultante de ideias desenvolvidas no Hospital americano Johns Hopkins, teve sua primeira versão posta em prática em 1926, em Boston, pelo Dr. Walter Dandy. No Brasil, a UTI apareceu nos anos 1970. Mais recentemente, vieram a tomografia computadorizada e a ressonância magnética.

Essas e outras conquistas asseguraram melhor tratamento de doenças, menos sofrimento, maior bem-estar dos pacientes e aumento da expectativa de vida. No século XVI, essa expectativa era inferior a quarenta anos. Hoje, supera noventa anos no Japão.

Aqui, são 76,7 anos. Por Bolsonaro, tudo isso poderia ser abandonado. Por que investir em hospitais, UTIs, vacinas e outras tantas realizações se todos nós iremos morrer um dia? Patético!

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