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30 de dez de 2017 , 17h51

Auxílio moradia e outros penduricalhos deveriam ser tributáveis

Está na hora de se aprovar legislação que redefina o conceito de renda para fins de tributação (Foto/iStock)

Um truque muito utilizado por servidores públicos, particularmente juízes e procuradores, para fugir da tributação do Imposto de Renda e do teto de remuneração, é auferir aumento de renda por meio das chamadas “verbas indenizatórias”. Tais verbas constituem, na verdade, renda disfarçada de “auxílio moradia”, “auxílio saúde” e uma infinidade de penduricalhos que enchem os contracheques desses funcionários.

Segundo levantamento do jornal O Globo de 17/12/2017, com base em dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, um terço da remuneração de juízes estaduais tem a ver com tais verbas. Tais penduricalhos permitem que a remuneração de 72% dos juízes exceda o teto constitucional, que é o valor dos honorários de juízes do Supremo Tribunal Federal. Isso contribui para situá-los entre os 10% mais ricos do país.

Essas verbas precisam ser definidas como renda tributável. É fácil perceber que um valor para pagar aluguel não difere da quantia que outra pessoa utiliza para pagar pela utilização de um imóvel. O mesmo raciocínio se aplica ao auxilio saúde. Em muitos casos, os beneficiários do auxílio moradia possuem imóveis residenciais na mesma cidade.

Autoridades fiscais de outros países não se deixam enganar por esse truque. Renda é renda. No Reino Unido, por exemplo, até gorjetas precisam ser declaradas ao Imposto de Renda. Se uma empresa paga parte do plano de saúde ou da mensalidade do clube dos seus funcionários, esses benefícios devem ser registrados na declaração anual de renda.

Em norma de 2016, o fisco britânico obriga o trabalhador a informar ao seu empregador qualquer valor recebido como gorjeta, para efeito de retenção, na fonte, do imposto e da contribuição previdenciária. É preciso manter registro diário dos recebimentos, salvo se inferiores a 20 libras esterlinas. O total deve ser declarado anualmente.

Por uma tradição britânica, os carteiros recebem uma gratificação anual das famílias para as quais entregam cartas e encomendas. Esse costume é reconhecido oficialmente pelo serviço de correio, o qual recomenda que a gorjeta não ultrapasse 30 libras esterlinas por família. Além desse valor, a gratificação pode ser enquadrada na lei anticorrupção. As autoridades fazem levantamentos com base nas residências servidas pelos carteiros para verificar se eles declararam as gorjetas ao Imposto de Renda.

Está na hora de se aprovar legislação que redefina o conceito de renda para fins de tributação, o qual deve ser amplo o bastante para evitar que a criatividade dos servidores públicos permita deixar de fora as tais verbas indenizatórias.

Em um país onde metade da população é constituída de pobres, afigura-se inaceitável permitir que juízes, procuradores e outros servidores públicos se beneficiem de tais privilégios. Eles já percebem os maiores salários do setor público. Assegurar que possam ampliar ainda mais seus rendimentos por meio de truques é um acinte. Manter o acréscimo fora do alcance do Imposto de Renda é um escárnio.

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