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11 de set de 2020 , 14h49

Ação sobre supermercados: “preço abusivo” é ideia medieval

O questionamento dos supermercados, para explicarem aumentos de preços dos alimentos, retrata visões deixadas para trás desde o século XVIII

Fez bem a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competividade (Ministério da Economia) em questionar a Secretaria Nacional do Consumidor (Ministério da Justiça) sobre a intimação feita por esta última aos supermercados para explicarem a disparada dos preços de alimentos. O objetivo seria apurar a eventual prática de “preços abusivos”. A ideia medieval de “preços abusivos” permeia, por incrível que pareça, as instituições brasileiras de defesa do consumidor. No fundo, isso reflete preconceito contra o lucro, nascido na Idade Média, quando, sob influência da Igreja Católica, se pregava o “preço justo”.

Trata-se de conceito impregnado de visões morais e religiosas, cujo objetivo era coibir o “lucro abusivo” dos comerciantes. O “preço justo” era definido como a soma dos custos de matérias-primas e mão-de-obra empregados na produção e comercialização de bens. Não havia lugar para o lucro. E “lucro abusivo” seria coisa do demônio. Primo próximo dessa barbaridade era a condenação da usura na cobrança de juros.

“Preço justo”, “lucro abusivo” e “usura” eram conceitos que integravam as leis medievais e tiveram influência decisiva em limitar o desenvolvimento. Ademais, como estabelecer o que seria “preço abusivo”? Podendo ser condenados pela prática dessas “ilegalidades”, banqueiros e comerciantes recorriam a artifícios para driblar as regras, o que gerava custos, reduziam a produtividade e inibiam a atividade econômica.

Essas visões ignorantes da realidade econômica ficaram para trás, primeiramente no Reino Unido. Adam Smith, em sua obra “A Riqueza das Nações” (1776) explicou o lucro e sua finalidade. Smith contribuiu, assim, para o entendimento correto da questão e lançou as bases conceituais que impulsionariam a economia britânica e a Revolução Industrial.

Já naquela época, Smith percebeu que o importante não era condenar o “preço justo”, mas coibir o conluio de oligopólios que adquiriam poder de mercado e faziam reuniões para combinar aumentos de preços em detrimento dos consumidores. As lições de sua obra e de pesquisas posteriores deram lugar, no fim do século XIX, à legislação de defesa da concorrência, começando com o Shermann Antitrust Act do Congresso americano (1890). No Brasil, a aplicação da norma semelhante está a cargo do Conselho de Defesa da Concorrência – CADE.

Impressiona constatar que conceitos consolidados ao longo dos últimos mais de dois séculos e adotados pelo CADE inda teimem em se manter distantes no Brasil. A forma atrasada de pensar e o preconceito implícito contra o lucro orientam organizações como a Secretaria do Consumidor, ministros, parlamentares, juízes e grande parte da opinião pública.

Para piorar, o presidente da República, que prometera ouvir o ministro da Economia em questões econômicas, disse que autorizou a ação do Ministério da Justiça. Prevaleceu o interesse eleitoral em lugar da sensatez de ouvir a equipe econômica e evitar ações que assustam empresários e criam disfunções inibidoras do crescimento da economia.

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